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“Se não melhorarmos a gestão do futebol, não temos qualquer possibilidade de atingir o alto rendimento”

empresario

O empresário de Futebol, Catió Baldé concedeu uma entrevista ao Jornal um dia antes da eleição na Federação de Futebol da Guiné-Bissau (FFGC). Numa entrevista em que falou do futebol, da sua vida, da Federação e da política, Catió Baldé considera-se “um apaixonado” pelo futebol e um “crente” nas mudanças e vantagens que essa modalidade pode provocar na vida das pessoas e de um país. Sobre a sua carreira enquanto empresário, Catió Baldé disse não estar arrependido de ter dedicado toda a sua vida a essa actividade e se considera um homem feliz e realizado. Mas tem “um sonho”, que consiste em continuar a apoiar como sempre fez, para que os jovens guineenses tiram proveitos das suas qualidades futebolísticas. Vê a Guiné-Bissau com muito potencial, mas não tem dado fruto devido a falta de organização e gestão competente nas estruturas responsáveis. Quanto a FFGB, o empresário defende uma mudança radical na sua gestão, porque a incompetência que caracteriza os seus responsáveis nos últimos anos só está a contribuir para minar o futebol. Falou da sua passagem como Director das selecções e acha ter ajudado, embora a sua tarefa não fosse minimamente facilitada por alguns membros do Comité Executivo que viam nele “alguém com muitos poderes” e que era respeitado por Manuel Irénio Lopes de Nascimento, presidente que na altura o convidou. Como empresário, tem já na recta final uma Academia de Futebol construído com os paradigmas das europeias. Garante que tudo será gerido de forma profissional e servirá para dar formação aos jovens.

Jornal Última Hora (UH) – Sr. Catió Baldé, um empresário de renome no mundo de futebol. Como foi possível chegar a este nível? Um africano afirmar no futebol europeu como empresário?
Catió Baldé (CB) – Com trabalho e persistência, mas também com crença nos valores do futebol. É com enorme satisfação que me apercebo que o meu nome é conhecido em diferentes partes do mundo por causa do futebol. Modéstia parte, sou conhecido nos corredores do futebol mundial como sendo um grande empresário africano, porque tenho trabalhado bastante. Um empresário que em termos da prospecção consegue descobrir grandes talentos de jogadores africanos, é fruto do trabalho desenvolvido ao longo dos anos da minha carreira.
Tudo isso é enaltecido hoje, porque trabalhei com jovens jogadores, promessas a nível mundial e grandes negócios de transferência que proporcionei para alguns clubes mundiais. Isso sim, tornou-me conhecido. Mas não sou o mais conhecido africano. Temos empresários africanos de renome como marfinenses, ganeses, senegaleses entre outros que são também conhecidos. Contudo, quando se chama empresários africanos, sou chamado e isso me deixa feliz e orgulhoso. Feliz quando referem que é um empresário guineense e foi ele quem descobriu talentos como Bruma, Ruben Semedo, Edgar Ié e demais jogadores. Como disse, a minha afirmação enquanto empresário de futebol é resultado de um trabalho de longos anos.

UH – Tudo tem o seu início…como foi e lembra quem foram os teus jogadores no início da carreira?
CB – Nunca esqueci de nenhum dos meus jogadores. Para falar do meu início na actividade empresarial, serei obrigado a recuar um bocadinho para os meus tempos na Guiné-Bissau. Acho que foi um don natural. Aquelas vocações com quais cada um de nós nasce. Só para ter ideia, ainda na Guiné-Bissau, naqueles nossos ambientes bairristas, em que cada um defende o seu Bairro, já actuava como empresário para defender o meu Bairro. Sou de Cupilum, fui criado na casa da minha avó (entre Cupilum e Amedelay) e já fazia o trabalho de prospecção. Já ia buscar jogadores de outros Bairros para o nosso. Fazia prospecção sobre as equipas e a forma como alguns jogadores marcavam a diferença nas tapadinhas, bairros e até nas tabancas. Sempre que voltava ao meu Bairro indicava aos mister e aos dirigentes quem era o melhor e devia vir jogar na nossa famosa equipa Háfia FC.
Associado a isso, Catió Baldé fazia parte dos meninos bonitos de um dos mais conceituados técnicos nacionais, Demba Sanó. Com Demba Sanó trabalhei muito e muito cedo eu fazia parte da equipa técnica do Benfica de Bissau. Acho que foi na época 82 se a memória não me trai. Depois fomos para UDIB e finalmente transferimos para o Sporting Clube de Bissau onde foi mais notável o nosso trabalho devido a grande revolução que fizemos. Nessa altura, o míster Demba já me atribuía a responsabilidade de conversar e contratar os jogadores.
Por exemplo, Engº. Inussá Baldé (agora representante da Guiné-Bissau na agência de exploração conjunta entre o Senegal e a Guiné-Bissau) chegou ao Sporting na altura por minhas mãos. Somos primos e aproveitei da situação para conversar com ele e decidiu ir para o Sporting. Para além dele, lembro do Chita e demais colegas que descobri como empresário. Para além dos colegas de Háfia, levava outros de outras equipas para o nosso Clube.
Quando mudamos para Bafatá, acho que foi em 1984, voltei para Bissau para vir contratar jogadores e um deles foi Alexandre que os colegas chamavam de Chacha, defesa Central da UDIB. Também vim contratar Clodé. Vim para Portugal nos finais de 1984 e o primeiro grande jogador que trouxe foi o meu primo Lai, que na altura jogava no Sporting de Bissau. E aqui em Portugal, em 1985, fui eu que tirei Lai e Secretário do Sporting de Portugal para o FC Porto.
Isto falando na Europa. E como o meu percurso já demonstrava uma tendência decidi optar por empresariado, até porque alguns dos meus colegas eram futebolistas. Decidi que tinha que gerir carreiras deles. Posso citar apenas a título de exemplo Gomes, Matchon, Bóbo e demais outros. Nas épocas 87,88 pessoalmente estive envolvido em duas grandes transferências de jogadores. Transferi Gomes de Vizela para Famalicão. Transferi o Kongolo de Espinho para Porto. Ainda fiz parte da transferência de Vata para Varzim. Fui empresário de Lufemba, de José Carlos do FC do Valdir de Boavista para o Gil Vicente na primeira vez que a equipa chegou a 1ª Divisão. Tirei Nogueira de Académica para o Gil Vicente e tirei o nosso melhor jogador de sempre Ciro Zé de Farense para Penafiel. Portanto foi uma carreira muito longa. Depois tive os meus precalços e fiquei muito afastado, mas quando regressei, vim com outra visão e uma nova realidade.
Agora para dizer em termos profissionais que me deram algum dividendo na transferência, digo que foram Vata, Lufemba, Kongolo, Gomes, José Carlos. São transferências de há épocas e eram sonantes. Existem factos para provar. Na altura os empresários de futebol em Portugal eram Manuel Barbosa, Lucílio Ribeiro, Catió Baldé e Valter Ferreira, um polémico empresário angolano. Lembro que nos anos 89 antes da extinção do Jornal La Gazetta, fui considerado como 4º empresário devido às contratações e transferências que fazia e estava atrás de Manuel Barbosa, Lucílio Ribeiro e Valter Ferreira. Portanto este é um trabalho de muito tempo de que gosto bastante. Hoje os tempos são outros. O mercado é outro e as representações dos jogadores também. Eu que cheguiei a Portugal nos finais de 84 e nos meados de 87 a 89 já actuava neste mundo. Portanto não sou novato. Aprendi antes com os bons e já estava no terreno. Aliás, devo lembrar aqui um empresário guineense que vivia no porto chamado de Seco Sanhá com quem colaborei.

 

UH – Em cada actividade há sempre uma projecção. No mundo de empresariado do futebol quem lhe projectou ou melhor, qual foi a transferência que considera ser aquela que te afirmou no mundo do empresariado?
CB – Sobre qual foi a maior transferência ou aquela que me projectou no mundo de futebol? O exercício é difícil por consideração e relação que sempre tive com os meus jogadores. Contudo, se considerarmos os valores envolvidos e acho ter toda a lógica pensar nisso e, por aquilo que hoje é o mundo de futebol marketing e dinheiro, quem mais teve essa visibilidade, foi Bruma. Fiz uma aposta. Aposta na nova geração. Ele foi aquele jogador que em termos financeiros rendeu mais. Nas três transferências que fez, olhando para os valores pagos e as comissões, ele foi quem mais me projectou. A nova geração projectou-me mais. A geração do Bruma, Edgar Ié, Ruben Semedo, Agostinho Cá, Zezinho, Santos etc… Mas repito mais uma vez e com respeito para todos eles, quem mais me projectou foi Bruma. O aparecimento dele no mundo de futebol deu-me outra visibilidade; deu-me outro impulso, imagem e outro conhecimento mundial.

UH – Essa carreira teve um período de interrupções que já explicou várias vezes, continua a considerar que foi vítima de uma cabala?
CB – É verdade que a minha carreira teve um período de interrupção. É uma parte sensível da qual não gosto bastante de falar. Mas também faz parte de honestidade permitir que aqueles que gostam de nós saibam algo de nós e que conheçam a verdade. Qualquer um de nós no seu percurso de vida tem complicações, sobretudo com as autoridades. E essas complicações auimentam ainda mais quando se vive num país de lei. Num país de lei, como ser humano e como homem quem prevarica arca com as consequências, porque é sempre obrigado a enfrentar a realidade e a justiça. Perguntou se fui vítima de uma cabala ou não? Nunca aceitei andar por esta via de acusações. O que posso garantir aqui a todos é que, vim Europa novo com 18 anos de idade. Foi aqui que aprendi coisas que não sabia sequer no meu país. Como qualquer jovem e emigrante tive os meus desabores e hoje não estarei aqui a procurar desculpas sobre os meus problemas. Não fui vítima de racismo. Não. A única parte má que sempre critiquei foi a forma como o processo foi conduzido até eu cair no problema sobre qual estamos a falar. Sempre achei que não foi correcta a sua condução e feriu a legalidade. Sempre defendi e defendo legalidade e e transparência na justiça. Não compactuo com as invenções e farsas. Isso sim condeno, mantenho a convicção que o meu processo não foi conduzido com transparência e legalidade e ninguém me move dessa posição. Se não posso reivindicar aqui que era inocente daquilo que foi motivo do problema, também não posso admitir que fui bandido ou diabo que andava por aí. Isso é mentira. É bom que fique claro que, o processo da forma que foi conduzido até levar-me ao pior problema da minha vida, não foi nada correcto. Não cumpriu regras, por isso lutei e defendi de todas as formas, pelo que a conclusão foi que, o processo não foi um justo, legal transparente e houve abuso em que não podia fazer nada. Mas esta é outra fase. Já estou recuperado da pior fase da minha vida, o que era normal, mas hoje estou noutra vida. E desde já é bom que cada um de nós saiba que, no seu percurso vai sempre ter momentos difíceis. O importante é parar e reflectir sobre o que se quer. Eu, Catió, posso considerar que sou uma outra pessoa. Recuperei e hoje estou de pé. Posso dar graças a Deus que, depois de tudo o que passei, consegui recuperar e me considero homem de bem. Estou a trabalhar; estou num nível muito elevado. Recuperei confiança de muita gente e estou feliz e satisfeito. Que fique claro, não estou a reivindicar o papel de inocente, mas não aceito a forma como me trataram. Condeno o que me fizeram. O processo foi viciado, falseado e não podia fazer nada. Passando muitos anos, continuo a conviver com esta mágoa. Quando lembro o meu passado, não o recuso, mas reconheço que foram bastante injustos comigo.

UH – Vamos falar do futebol guineense. No passado, alguns atletas nacionais deixavam o país e actuavam na primeira divisão de Portugal que é o nosso destino preferido. Nos últimos 20 anos, cada transferência que ocorre da Guiné-Bissau para Europa é mais para juniores ou camadas secundárias. Como é que se explica isso?
CB – Falta de trabalho e organização. Falta de uma boa gestão. Para falar do futebol guineense e sobre a sua decadência, como posso aperceber da sua perguinta, permita-me recordar o meu percurso. Acho que estou feliz. Vi muitos jogadores guineenses e que foram, os nossos ídolos a jogarem nas primeiras equipas portuguesas. Mas até a data, há uma coisa que me passa pela cabeça recordando a conversa com Jean Paul (um coordenador das Academias dos Sporting de Portugal que descobriu jogadores como Cristiano Ronaldo, Quaresma, Simão Saborosa, Hugo Viana entre outros), quando me disse que a Guiné-Bissau era dos países africanos da língua oficial portuguesa, o mais próximo do Brasil. Mas quando me mostrou que estava a referir a técnicas de jogar futebol, concordei de imediato com ele. O atleta guineense tem muita qualidade quando comprado com demais países.
É verdade que nos anos 60 e 70, anos 70 a 80, não só de Guiné-Bissau, mas de toda África chegavam e conseguiam jogar em Portugal e noutros países europeus. Estamos a falatr de uma época pós-independência, o que implica que a herança deixada, a genética para os jogadores era boa. As infraestruturas também eram boas e haviam jogadores de muita qualidade. Sempre que saíam da Guiné-Bissau chegavam e jogavam na primeira divisão de Portugal. Mas para que a verdade seja dita, o futebol na altura era outra coisa. A nível da Guiné-Bissau tinhamos o Alberto, o Nhabola, o Reinaldo, o Adão, o Bóbó, Gomes, Lato, Quecoi, Ciro, Fanfali, Nicolau, Baba, os dois Arnaldos e demais outras figuras que afirmaram e estavam na primeira linha do futebol português.
Perguntou o porquê é que nos últimos 20 anos as nossas transferências são para a formação e não sénior ou primeira divisão de Portugal? A resposta é simples. Actualmente, a nível mundial, o futebol, como também nas demais áreas muita coisa mudou. Por exemplo na cultura, vê-se que das pessoas sobre quais falamos, o nível é outro. Na economia as pessoas têm outras visões. Mas no caso da Guiné-Bissau e no futebol em concreto, a única garantia que dou aqui enquanto actor do sector, é que, nos próximos anos dificilmente conseguiremos fornecer jogadores que chegam directamente para jogar na primeira divisão. Não temos qualidade para isso. É difícil. Actualmente estamos sim, na primeira linha na área de formação conforme um estudo feito e que vou partilhar assim que estuiver concluído. O estudo indica que, a Guiné-Bissau contribuiu com 20% para o desenvolvimento do futebol português. Sabe quais são às percentagens dos outros países? Não tenho precisão, mas Angola deve ser 5%; São Tomé e Principe 3%; Cabo Verde acho 5% e Moçambique 1%.
E mais! A Guiné-Bissau nos últimos campeonatos do mundo Sub-20, na famosa final com o Brasil em Colômbia, estavam em campo como titulares quatro jovens oriundos da Guiné-Bissau. Tinhamos Saná, Pelé, Danilo, Aladje. O Amido entrou na segunda parte. No mundial seguinte tínhamos o Edgar, o Tomás Dabó e mais um outro. No outro mundial tivemos outros jovens. Nos campeonatos de Europa Sub-17 e Sub-18 tivemos jogadores que na final foram considerados melhores jogadores da competição. Portanto somos obrigados a adoptarmos outras estratégias, porque o país está muito atrasado. Nós que somos do sector fomos obrigados a trazer jogadores para puderem crescer na Europa e conseguir integrar nos clubes europeus. Já não somos como no passado, porque na altura vivemos muita coisa com resquícios do passado os portugueses deixaram. Depois daquela geração seguiram demais gerações dos anos 80 e até 90 onde ainda tínhamos um campeonato entusiasmante bons jogadores. Até 95 a 96 nota-se que começamos a perder qualidade. Nos últimos anos, aqueles que actuam no campeonato guineense são meninos e fracos em termos físicos. As nossas estruturas não têm nada a ver com a genética africana dos anos 70 e 90. Na altura os nossos jogadores tinham outra estampa física. Para sermos sinceros, resumidamente não temos condições de tirar um jogador directamente para a primeira divisão. Aliás, os nossos jogadores têm muita dificuldade de jogar na segunda divisão, até na segunda B de Portugal.
Dou sempre um exemplo: recentemente fui buscar na Guiné-Bissau e no Benfica, o melhor jogador dos últimos campeonatos. Aquele jogador não conseguiu afirmar na equipa sub-23 do Benfica. Até a data presente não afirmou em nenhuma equipa de Portugal. É verdade. Nos dias que correm, tirar um jogador da Guiné-Bissau com mais de 18 anos para jogar na primeira linha do futebol europeu, é difícil. A razão é simples: não estamos a altura de acompanhar os processos. De 14 a 15 anos, se não sair da Guiné perde as suas faculdades. Porque o trabalho técnico começando pelo físico é zero. Trabalho técnico para dar conhecimento também zero. O desenvolvimento da táctica, conhecimento de jogo é zero. É por isso que, eu e demais colegas decidimos apostar nos miúdos de 14 a 15 anos para virem ter todos estes conhecimentos. Até o Senegal e Costa de Marfim têm problemas. Africa no seu todo tem problemas enormes. Porque, universalmente para um jogador afirmar actualmente precisa de conhecer processos de jogo. Conhecer a posição, transição, jogar na transição, segundo homem na transição etc.. isto é escola. Como se estuda as lições.
Enquanto não desenvolvermos isso, de preparar os jogadores, vamos continuar atrasados. Eles devem estar aqui e conhecer a matéria. Isto é como na escola. Nós temos guineenses que fazem o 12º ano, chegam aqui patra estudar deparam na Faculdade com problemas até de falar o português. É por isso que, muitos pais investem nos seus filhos para virem o mais cedo possível. Tão cedo este paradigma não vai alterar. Para alterar, nós é que temos educar os nossos jogadores, caso contrário a aposta tem de ser nos mais jovens.

UH – O futebol nacional não tem rendimento, porque não está estruturado e organizado. Concorda?
CB – Sim concordo. E posso acrerscentar que tão cedo não vai ter rendimento por falta de estruturação e organização. O futebol guineense não tem rendimento localmente. Mas para ter ideia, os nossos jogadores proporcionaram alguns clubes europeus muitos rendimentos. Só para ter ideia. O que os nossos jogadores dão ao nosso futebol com as transferências? Sim. Há um jogador que dá muito dinheiro com as suas transferências à UDIB. Sobre a formação de UDIB. É um dinheiro que recebem injustamente, porque Bruma é jogador da minha academia. É bom explicar que, a UDIB associou-se a nossa Academia na altura apenas por uma questão de legalidade. Nós não estávamos legalizados. Foi por isso que Bruma foi inscrito pela UDIB e a UDIB recebe aqueles direitos de formação. Nunca interessei-me sobre isso. Mas existem outras formas que se pode ganhar dinheiro. Se um jogador vier por custras familiatres ou a título particular, mas depois ganhar alguma projecção no mundo do futebol, se a equipa estiver alertada pode reclamar os direitos. Mas nem todos podem dar grandes saltos. Por isso, a minha opinião é que, nada se pode fazer, porque não estanmos organizados e estruturados, pelo que não podemos render.

UH – O que é preciso fazer para chegarmos ao futebol de alto rendimento?
CB – O que podemos fazer foi o que disse é a estruturação organização interna. Tem de haver um plano padrão, standart e que deve ser seguido por todos. Temos que organizar às escolas de futebol e para estarem inseridas num campeonato organizado pela Federação de Futebol. Deve haver um registo único, porque temos graves problemas ligados a mudança de idade e de documentos que acaba de complicar tudo. Por exemplo um jogador é registado na nossa Federação com o nome de Braima Baldé, mas depois ao viajar para Portugal, a família decide mudar o nome. E em vez de Braima Baldé passa a ser Braima Seidi ou Malam Baldé. No futuro quando se pretende fazer algo verdadeiro para equipa ganhar, não consegue.
Por isso, tenho as minhas estratégias. Quando chego para um jogador, a primeira coisa que faço é procurar a família para confirmar a veracidade da documentação. Depois adverto que, se alterarem algo vão arranjar problemas. Se o nome já estiver na Federação é o único e para todo o tempo. Mas para que isso aconteça, as escolas de futebol devem inscrever os jogadores na Federação. Esta por sua vez, deve ter uma base de dados.
Outra sugestão é que as escolas por sua vez devem conversar com as famílias sobre os dados de jogadores e evitar divergência dos dados. Por vezes na ânsia de trazer um bom jogador, tens sempre um problema de esclarecer a legalidade. Actualmente temos casos de processos com jogadores que alteraram a idade. Porque mesmo se um familiar decidir trazer um jogador para Europa à margem das academias, é importante que os dados existentes na Federação não sejam alterados. O nome e a idade devem ser mantidos. É uma parte sensível e que tem causado dificuldades com as quais deparamos, mas acredito que, com dados bem organizados e uma estrutura bem competente, podemos mudar e ter rendimento. Caso contrário vamos continuar nessa pobreza de organização na qual encontramos.

UH – Depois de tantos anos afastados, embora actuando como empresário, em 2017 Catió Baldé regressou ao país via selecção nacional na Taça de África das Nações. A ideia era ajudar. Acha que ajudou?
CB – Sim ajudei, apesar de tudo. Mas deixa explicar, porque muita gente não sabe certas coisas a meu respeito. Devo explicar aqui que, mesmo antes de aproximar as estruturas da Federação, sempre dei o meu apoio. Sou guineense e tudo o que é nacional me toca. Muitos equipamentos que usámos em diversas competições foram comprados por mim. Melo (rpupeiro da selecção nacional) pode testemunhar isso.
Na verdade em 2017 recebi um convite da Federação na pessoa da Secretária-gera e o presidente do Comité Executivo. Mas deixa-me dizer que, aquele foi um convite inteligente. A selecção nacional tinha um série de problemas internos organizativos e disciplinares. É público naquele famoso apuramento, o milagre de Candé, porque em situações normais jamais apuraríamos por falta de organização e profissionalização dos trabalhos. Haviam problemas. O objectivo do meu convite ajudar na resolução dos graves problemas que haviam na selecção. Selecção tinha problemas de disciplina; selecção tinha um conjunto de problemas e a inteligência foi pensar que, indo ao CAN tinhamos que organizar internamente com os seguintes problemas. Jogadores que recusavam ir para bancada, caso não sejam convocados; jogadores que recusavam o estatuto de suplente; jogadores que confrontavam o treinador caso ficarem fora da equipa. Um conjunto de coisas. Quando a Federação equacionou todos estes problemas, foi buscar uma figura que serioa capaz de apaziguar ou melhorar tudo isso. Foi daí que nasceu o convite para Catió Baldé.
Mas para terem ideia, a maioria daqueles jogadores chegaram a Europa via Catió Baldé. Trouxe e eduquei. Numa primeira fase até recusei o convite. Mas quando explicaram-me das razões mudei de opinião. Achei que era uma missão para defesa da pátria, que qualquer um de nós se disponibiliza a ir. É verdade aceitei, mas não foi fácil. A minha primeira missão era organizar. E penso que consegui, porque no meu primeiro dia de trabalho levei a selecção para o estágio no Rio Maior. Neste local, ficámos longe de toda gente e até dos emigrantes que habitualmente gostavam de visitar os jogadores. Depois foi a organização interna por departamentos. Cada elemento da Federação tinha que saber das suas competências, com disciplina e ordem. Tudo isso foi cumprido. As pessoas acham que estivemos muitíssimo bem no CAN. Sim estivemos, mas é resultado de um trabalho e de muitos factores como organização e disciplina.
Mas houve aquilo que as pessoas não perceberam. Existência de primas donas na selecção. Acabei com primas donas. E que na selecção só iria jogar quem apresentasse o rendimento compatível com um campeonato de África.
Perguntem àqueles que estiveram no Gabão e nos nossos treinos. Todos davam litro e o que faltava era pouco para que comessem relvas. Primeiro melhorei a estrutura da selecção contratando um técnico com especialidade de alto rendimento. Na nossa selecção tínhamos pessoas que actuavam na segunda e terceira divisão. Mesmo assim se fez um trabalho com a dimensão correspondente. É verdade que não ganhámos nenhum jogo, mas deixámos uma imagem positiva. Empatámos o primeiro jogo, perdemos o segundo com Camarões e todos viram como aconteceu. Ou seja, fomos até ao último jogo e tínhamos ainda probabilidade de apurar. Tivemos uma prestação fantástica e os jogadores estiveram a altura. Não tinhamos grandes meios, mas havia muita disciplina e harmonia. É verdade que, haviam descontentes sobretudo aqueles os que não jogavam, mas em campo a solidariedade era visível. Na minha opinião foi uma selecção justa e jogaram apenas os que estiveram a altura. As pessoas criticaram as opções, mas nós que estávamos lá, não deixamos que houvesse desvio. Chegámos ao alto rendimento, porque se fez um trabalho competente. Mas tudo foi em nome de contribuição como cidadão. Quando aceitei, tinha consciência clara que podia ser criticado de ter aparecido só na hora de ir ao CAN.
Primeiro, digo que sempre participei e as pessoas não sabiam -, mas mesmo sabendo que aqueles que estavam inocentes iriam criticar, decidi fazer parte do projecto, porque sei a importância que o meu trabalho tinha. E ficou até a data presente. Porque ainda antes de terminarmos a competição, alguns já reconheciam os progressos dados pela selecção. Nunca a selecção estava tão organizada e tão disciplinada como na era de Catió. Não conseguimos outros resultados, mas ficámos cotados ao mais alto nível. Lembro que jornalistas internacionais felicitavam. Um deles ainda disse que estava a rezar para que pudéssemos conseguir o apuramento seguinte para estar em, Camarões, porque a qualidade do nosso futebol lhe faz lembrar os anos 70, onde haviam estrelas como Papa Camará. E eu me emocionei. E não foi nenhuma invenção. Porque contra Camarões no segundo jogo, o nível de circula de bola era extraordinário e lindo de ver. Em resumo, não me arrependo de ter aceite o convite para poder ajudar. Hoje, mantenho essa convicção de ter ajudado.

UH – Apesar de tudo, houve muita polémica a volta da sua figura. Quer explicar o que aconteceu?
CB – Realmente houve muita polémica sobre a minha participação na selecção. O convite não agradou muita gente. Houve críticas de adeptos, anónimos, jornalistas, fazedores de opiniões, comentadores e analistas desportivos guineenses. Muitos invocavam a incompatibilidade por ser empresário de alguns jogadores. Passei por cima de todas estas críticas e aceitei o convite. É bom que fique claro que, fui para a selecção não para tirar nenhuma vantagem. Mas enquanto lá estivenmos, houve prémios monetários pagos. Todos recebiam, mas eu não recebi nada. Não recebi, porque no momento não precisava. Fui para a selecção com uma vontade enorme de ajudar. Fiz despesas; paguei despesas sem ter em consideração nada de especial. Crítica maior era que, Catió Baldé iria defender os seus jogadores. Volto a repetir: 90% daqueles que estavam na selecção chegaram a europa via Catió Baldé, mas não precisaram de mim para chegar CAN e já estava desvinculado de 70% deles. Quando estivemos no CAN, os únicos jogadores representados por mim eram Tomás Dabó, Juary, Rudy, Soares, Aldair e Piquety. Aqueles que eram meus, já não tinhamos nenhum vínculo. No primeiro jogo de selecção, os meus jogadores eram Tomás Dabó, Juary que era titularíssimo, Agostinho Soares, Piquety era entra e sai e Aldair.
O Tomás Dabó foi para a selecção quando precisávamos de um defesa direito e ele não competia há seis meses. Mas ao partirmos havia uma posição clara. Se ele corresponder, seria o nosso lateral. No entanto, nas duas faases de estágio ele se revelou um jogador a altura. No Gabão, ele foi dos melhores defesas direitos. O Piquety ao ir para o banco começou a gritar e a chorar. Chamei-lhe atenção de que as regras de jogo eram para respeitar. No final, Piquety foi cartaz de selecção.
Portanto, todas as suspeitas ou jogos de influência que podia fazer não correspondia a verdade. Aliás, os próprios jogadores estiveram tranquilos, porque nada aconteceu. A minha posição era questionável, mas não justificava esta posição mesquinha. E depois de CAN, não vendi nenhum jogador por causa da sua participação. Por isso, o que queria é que as pessoas aproveitassem mais aquilo que foi de bom que vimos no CAN e não coisas que não correspondiam a verdade. Lamentei todas as críticas, mas como sabia o que me motivava, fui. Conseguindo objectivo, o resto tudo passa ao lado.

UH – Depois, Catió Baldé decidiu afastar, porque não havia sintonia com aqueles que lhe convidaram…como é possível isso?
CB – É verdade. Depois do CAN nunca mais nada foi o mesmo. Antes da minha chegada tínhamos uma selecção com muitos problemas internos, mas conseguimos dar volta através do trabalho que estava a referir atrás. No início vi problemas organizacionais e deparei com muitos problemas de até engolir sapos, mas tínhamos um objectivo. Estávamos numa selecção que não pagava perdiem; dívidas de dois anos; não pagavam despesas de passagem que eram asseguradas pelos próprios jogadores. Tudo isto encontrei. Foi um trabalho extremamente difícil de estar a resolver o trabalho administrativo e ao mesmo tempo preocupar-se com a preparação de uma equipa coesa, uma equipa com dignidade. Ou seja tinha olhos no campo de treino e ao mesmo tempo olhos na resolução dos problemas que afectavam a cada jogador. Foi um trabalho difícil, mas aceitei.
Houve aquela polémica de desonestidade de ser eu a fazer despesas o que era falso. Porque no momento em que eu pagava despesas sozinho, a Federação tinha nos bancos 85 milhões de Fcfa que a Orange deu a selecção da Guiné-Bissau. Os ex-dirigentes da Federação recusaram pagar e tinham o dinheiro estrategicamente preparado para eles. Lembrei de uma situação patética de nos terem retirado um autocarro que nos transportava, porque tínhamos uma dívida. Daí que se disse que tínhamos um autocarro parado na oficina por causa de 400 mil Fcfa. Fui com meios próprios e paguei a reparação do autocarro. Mas no dia seguinte tive informações do dinheiro que estava a falar. A decisão inicial para não ir ao CAN, porque considero de deslealdade e desonestidade o comportamento dos dirigentes da Federação de Futebol. Com algumas intervenções aceitei ir para o Gabão. Quando voltamos do CAN houve festa a todos os títulos. No dia seguinte da festa que foi feita por adeptos, governantes e os demais, todos se remeteram ao silêncio. Os problemas pendentes dos atletas e as promessas feitas no famoso jantar, nada foi respeitado. Pessoalmente prometi a todos os jogadores que ia recuperar o dinheiro e pagar, pelo que podiam voltar para os seus clubes. Fiquei uma semana em Bissau e toda gente desapareceu. Pediram-me para continuar na selecção e continuei. Recebemos de imediato, em função do nosso performance no CAN, um convite de Africa de Sul para um jogo amigável. Foi um jogo que aconteceu, depois de uma viagem longa e tivemos uma boa prestação. Importa explicar aqui que, aceitamos o jogo de África de Sul porque, o calendário da fase seguinte do CAN tinha dois países de austral na nossa série. Daí todo o plano que fiz para prepararmos o CAN seguinte não foi cumprido. Aquilo foi uma desorganização total. Lembro que ocorreram dois estágios que paguei e recusei uma outra, porque disse se não havia dinheiro, não valia a pena, porque não sou nenhum rico para estar a alimentar a selecção. O míster Candé ainda tentou numa última vez, e adverti que, aquele seria o último estágio que eu ia pagar. Nós somos incumpridores. O dirigente guineense tem a falta de palavra. Promete ao jogador uma coisa e faz a outra. Uma vez os jogadores falaram comigo e adverti-lhes que, se da próxima vez não resolvesse o problema deles apresentava a minha demissão. Um deles me disse, míster, és dos poucos que ainda respeitamos aqui. Mas no dia em que deixarmos de respeitar-te vai ser muito mau. És uma figura para nós. Não permita que selecção destrua a nossa relação. Afaste, porque esta gente não tem o hábito de dizer a verdade. Eram motivos fortes para eu afastar. Mas o que me afastou na verdade, foi a famosa viagem de França. Depois de cerca de três meses sem estágio, de repente marcaram um estágio em França para responder ao convite de dois países, que acredito ser Gabão e Congo. O estágio de França, se contarmos com a nossa última deslocação, estava a ser preparado durante quatro meses. Sempre alertei para que enviassem planos, dinheiro e que o hotel fosse bem preparado. Já perto do fim (perto da data do jogo) e quando faltavam 15 dias, aparecem para informar que haviam 35 mil euros para financiar o estágio. Perguntei se na verdade, os 35 mil euros eram mesmo para a participação em todo o torneio. Depois de analisar e vendo que o dinheiro era insuficiente, associado ao jogo não ter objectivos próximos sugeri que a equipa técnica e a Direcção executiva deslocassem para viajarem para Portugal, tendo em conta que a maioria dos jogadores estavam lá resididos. Podíamos fazer jogos particulares e o resto do dinheiro seria utilizado para pagar restantes dívidas. Esta minha sugestão foi motivos para os membros do Comité Executivo explodirem. Um disse que haveria jogo, porque Catió Baldé não é ninguém e nem pode dar ordens sobre o que se deve fazer. E que a selecção ia jogar em França por causa de prestígio. Repliquei se tinham motivos para reclamar prestígio ou reivindicar a autonomia, quando na realidade a Guiné-Bissau era um país pobre. Naquela discussão com a Secretária-geral, Baldé e Tino decidiram no dia seguinte ir para França de forma desorganizada e o resto de história não preciso de contar. Depois daquela deselegância, humilhação e falta de lealdade para com o meu trabalho como Director-geral de Federação e competente para organizar estágio, não podia aceitar. Acreditam que, enquanto eu organizava estágios aqui, Tino pedia amigos aqui em Lisboa para encontrarem um hotel para o estágio. Quando sou confrontado com a questão e lhes perguntar, o Tino respondia que, não fazia aquilo e que era mal-entendido. E no outro lado era o Bonifácio a cortar dos técnicos portugueses que não podiam viajar, segundo ele, porque não tinham contrato. Ainda tive serenidade de lhe informar de que, a presença dos técnicos portugueses se tratava de mais-valia. Mas eles tinham objectivo que era de provocar a minha saída de selecção porque não sentiam a vontade. Achavam que tinha poderes a mais e que o Manelinho me respeitava bastante. A revelia foram para tal estágio em França e decidi suspender o cargo. Não demiti de imediato, porque o Manelinho me pediu para que lhe aguardasse e que iria tomar uma posição. Ele até prometeu que seria eu a tomar conta da selecção depois de tudo o que aconteceu. Só que depois o Manelinho foi contornado e recusou encontrar-se comigo. Aliás, encontramo-nos oito meses depois daquelas cenas e estávamos todos numa viagem Bissau/Dakar. Expliquei-lhe que, não tinha demitido de forma oficial porque ainda não tínhamos conversado, mas doravante iria abandonar. Na sua reacção explicou um conjunto de coisas e no final pediu para que eu voltasse. Respondi-lhe que não tinha cara de porcaria. Sou digno, pelo que não fazia parte do novo apuramento. Disse-lhe claramente que não estava interessado. Daí, oficializei a saída.
Mas sobre Manelinho, tenho pouca coisa para dizer. Não esqueço um gesto nobre que fez em Gabão. Quando surgiu aquelas exigências de alguns membros do Governo com patéticas acusações de que devia ser demitido porque sou amigo de Domingos, o Manelinho fez finca-pé para que aquilo não acontecesse, pelo que devo reconhecer. Mas depois dos acontecimentos de França vi a posição dele fraca, porque não cumpriu o que me prometeu. Decidi apresentar. Hoje, na minha opinião, afastar foi a melhor coisa que me aconteceu.

UH – Mesmo assim, acredita na viabilidade do futebol guineense, sobretudo nas selecções?
CB – Havendo neste mundo alguém que acredita no futebol da Guiné-Bissau, essa pessoa sou eu. Catió Baldé. Não ponho nenhum país do mundo a frente do talento guineense. Só quem trabalha na área de formação, que lida com os jovens e acompanha o dia-a-dia deles conhece o talento natural e qualidade técnica pode dizer o que estou a dizer. Sou apaixonadíssimo dos nossos jovens. Na semana passada vimos as qualidades técnicas exibidas por Ansu Fati e depois o Moreto Cassamá contra o PSG; se ver o Bruma que continua a dar cartas tira-se dúvidas sobre as nossas qualidades. Mas infelizmente os jovens guineenses continuam a treinar nos piores lugares onde se pode praticar o futebol. Piores. Não há infraestruturas. E não apenas a Federação. O próprio Governo. Nunca teve alguma visão em relação ao desporto como elemento do desenvolvimento. Muita gente pensa que o desenvolvimento é construir estradas e demais obras. Não. O desenvolvimento começa no campo social. Tem de se educar um homem e mantê-lo no mundo. Quando assim, ter um homem educado e formado, ele consegue corresponder com as exigências do país. Quando não se educa e é bom saber que o desporto faz parte da educação, nada se fez. Eu acredito na viabilidade do nosso futebol. Mas isso só pode acontecer com uma nova geração de dirigentes desportivos. Só com a nova geração. Não estes. Não é com estes que actualmente estão a frente do futebol. Não. Tem de ser com novos dirigentes. Novas caras e que percebem o que é hoje o mundo do futebol. Eu, pessoalmente acredito. A única coisa na qual não acredito são os actuais dirigentes que estão a frente do nosso futebol sem qualquer qualificação. Com estes não há viabilidade nenhuma para o futebol guineense. Mas sem eles, acredito. Só quando desenvolvermos internamente é que podemos pensar na selecção. Neste momento non país há uma coisa errada. Os actuais dirigentes de Federação só olham para a selecção e esquecem do futebol pobre que temos no país. A nossa selecção tem futuro. A nova lei aprovada pela FIFA, se tivermos dirigentes competentes, nos próximos anos, temos condições de competir ao mais alto nível. Com a nova lei, o jogador de selecção pode tomar decisão de jogar para o país originário. Quando isso acontecer, vamos ter uma selecção forte. Porque temos hoje jogadores espalhados um pouco por todo o mundo. Não só em Portugal, mas em França Inglaterra se pode encontrar jovens guineenses que cresceram em grandes academias de futebol e que não vão chegar as selecções principais desses países. Temos uma geração enorme de jovens jogadores disponíveis a voltar os países dos seus avós ou dos seus pais. Mas isso só pode acontecer com uma estrutura bem organizada e administrativa para cativar estes jovens e criar-lhes condições e mostrar que há organização, há projecto e há ambição. Quando isso acontecer, vamos receber muitos jovens que não têm lugar em França, Portugal, sobretudo estes dois países que têm maior ligação com a Guiné-Bissau. Não contemos com Ansu Fati porque será uma estrela mundial. Não contemos com Bruma, porque já faz parte da estrutura de selecção de Portugal, mas temos outros jovens. São muitos e basta organizar para atingirmos este objectivo.

UH – O que é preciso fazer para mudança do paradigma? Como rentabilixzar o futebol nacional para que tenha frutos para atletas, técnicos e demais intervenientes?
CB – O que é preciso fazer para mudar o paradigma? É mudar toda a estrutura da selecção nacional. Não é com estes dirigentes. Temos que ter novos dirigentes. Uma nova visão com modernismo. Nova estrutura constituída por pessoas que percebem o que é o futebol. Só assim e mudando esta situação é que vamos mudar o paradigma do qual não gostamos.

UH – Independentemente de quem tenha ganho, coloco-lhe a questão sobre a Federação. O que é preciso para que a nossa Federação esteja a altura das suas responsabilidades de gerir o futebol?
CB – Independentemente de quem tenha ganho (estamos a fazer esta entrevista um dia antes de eleições) digo que é muito importante que haja mudança radical. O vencedor, segundo o meu desejo deve ser alguém com estrutura moral muito grande; alguém com visão sobre o futebol e que sabe o que o futebol gera. Alguém com capacidade e visão de futebol extraordinário para poder fazer uma gestão criteriosa. Que saiba avaliar o que recebemos e juntar fazer valer tudo isso para o nosso futebol de forma diferente. Mas isso não pode acontecer com dirigentes actuais, não canso dizer isso. Precisamos de um dirigente moderno com visão periférica do desenvolvimento do futebol. Agora se voltarmos a eleger para a Federação um dirigente amador que não percebe nada do futebol, que não tem ideias; se voltarmos a criar um Comité Executivo com pessoas sem qualidade, podem apostar que, é mais um atraso de quatro anos. Para mim já chega. Os últimos 20 anos foram, um desastre total para o futebol guineense. Se pegarmos na gestão dos presidentes destes anos até Manelino, conclui-se que perdemos 20 anos. Se adicionarmos mais quatro anos para completar 24 anos, a questão que se coloca é para quando vamos desenvolver o nosso futebol. Por isso, quem deve ganhar, na minha opinião é quem dispor de um projecto, um plano, uma visão sobre o desenvolvimento do futebol. Alguém com uma responsabilidade enorme só alguém com idoneidade inquestionável pode gerir o nosso futebol. Caso contrário e se voltarmos a entregar isso nas mãos de de pessoas sem ideias, serão mais quatro anos de atraso.

UH – Tantas são às críticas sobre a gestão do futebol guineense: falta de rendimento para atletas; falta de infraestruturas desportivas e falta de formação de profissionais. Como é possível fazer tudo isso, com pouco dinheiro? Ou acha que o dinheiro anual de FIFA podia?
CB – Esta pergunta faz-me lembrar uma que respondi há pouco. É unânime na comunidade futebol guineense às críticas sobre a gestão do nosso futebol. Temos falta de tudo. Falta de jogadores, falta de rendimento dos atletas que pensamos que podemos competir aos mais alto nível, infraestruturas, falta de formação de profissionais na área de futebol começando de arbitragem até outras áreas ligadas ao futebol.
Mas alguém pode perguntar, como é que um país pode ter falta de tudo isso num mundo moderno com tudo a disposição. A resposta não está longe daquela que atrás dei: temos que escolher um presidente preparada com visão, moderno, competente e com visão. Porque quem deve estar a frente de federação tem de saber que tudo isso existe e devo ter a capacidade de ver. Isso se vê com projecto de futebol bem pensado; com credibilidade e com boa imagem é que se conseguem tudo isso. É impensável em 2020 termos dirigentes desportivos que não fizeram nem melhoraram nada. A Guiné-Bissau continua a ter infraestruturas de era colonial. 24 de Setembro é único estádio condigno. Lino Correia podia ser transformado num dos maiores centros de estágio do país. Tem toda estrutura física para ser um complexo desportivo, basta ver os campos que dispõem. Mas a realidade é manifestamente contrária. Um estádio Lino Correia com um sintéctico mal tratado. Aliás, por questões de saúde se devia mesmo proibir a sua utilização para partidas de futebol. Mas ninguém diz nada. E vem a minha cabeça uma questão: porquê é que as pessoas só pensam em ser candidatos, mas jamais pensam em deixar as suas marcas. Continuamos a não fazer nada para melhorar as condições nem dos árbitros; nem dos treinadores e de ninguém. Preferimos deixar pessoas com nível tão baixo. Sobre as infraestruturas, não vale a pena falar. Outros acham que não se pode falar do dinheiro da FIFA. Não vou falar, mas não tenho dúvidas que, em quatro anos, aquele dinheiro bem gerido, vai dar outros resultados. O dinheiro de FIFA é utilizado para pagar senhas das reuniões do Comité Executivo e viagens patéticas. Não conseguem sequer garantir condições a Federação. Sempre que a Federação vai jogar, há um problema e leva-nos a novas questões. Para quê serve o dinheiro da FIFA? Inventar relatórios de Contas falsos? Inventar torneios que não existem? Inventar campeonatos de futsal? Campeonatos sub 12 e sub 13; futebol de praia? Mas os clubes são coniventes, porque depois são eles é que aprovam os relatórios. É em, tudo isso que se dilui o dinheiro de FIfa. E quando os relatórios falsos são publicados, muitos fazem denúncias, mas as nossas autoridades não fazem nada. Por isso, a meu ver, o dinheiro de Fifa por mais pequeno que possa ser, se for bem gerido dará resultados.

UH – Para si, qual é o verdadeiro problema do futebol guineense? É a gestão; é a falta do investimento do sector privado ou é a falta dos recursos humanos?
CB – Para mim o verdadeiro problema está na gestão e nas pessoas. Não me interesse ser repetitivo, mas temos uma gestão zero do regime desportivo. Pessoas sem qualidade e sem visão. Falta de investimento do sector privado? Sim. É uma realidade do nosso país. A primeira questão que se coloca é se as pessoas tê estas ideias, incluindo empresários. Não tenho dúvidas que os empresários estejam virados para o futebol como uma actividade que possa gerar o rendimento. Nos últimos tempos falta mesmo a solidariedade de pessoas. Conhecemos pessoas endinheirados e com muitas possibilidades em Bissau, mas nunca pensam da ladeia de onde vieram. Nem lembram de comprar uma bola para os meninos da tabanca de onde vieram. Nunca pensaram numa infraestrutura desportiva para as suas aldeias ou tabancas. Não. Todo o mundo está concentrado em Bissau numa vida boa. Dizer que o sector privado pode investir no futebol’ para ser sincero não vejo este espírito. No passado lembro que figuras como Cipriano Jacinto, Viriato cassamá, Ansumane Injai, Dundu Fernandes trabalhavam e ajudavam. Hoje, nada disso existe. Temos jovens quadros bem remunerados que não investem nada para o futebol. Vê-se nascidos de Bafatá, Bambadinca e Bigene, bem sucedidos mas nunca compram bola ou equipamento para a região. Ninguém está virado a isso. Empresários não têm essa cultura.

UH – Estamos a falar de investimento, mas Catió Baldé tem no país, um complexo desportivo. É um consórcio ou é um particular?
CB – Se tenho um complexo desportivo no país, devo confessar aqui que esta actividade fez-me atingir um patamar alto. Foi graças a Guiné-Bissau e jogadores do meu país. Onde estou onde estou, graças a jogadores de Guiné-Bissau. Podia proporcionar a minha família uma vida fantástica. Mas preferir ir para a humildade que assusta certas pessoas. Não mostro nada de importante como riqueza. Mas sempre que ia a Bissau para observar jogadores deparava com dificuldades para treinar. Todos iam para o Lino Correia e por vezes nem havia espaço não só para treinar como para alugar. Mas depois de olhar por tudo aquilo que consegui em nome do futebol, por obrigação moral tinha de ter própria infraestrutura desportiva, mas virado ao negócio. Eu acredito bastante no negócio lucrativo do futebol. É verdade que foi um investimento bastante custoso, uns falam até em derrapagem, outros me acusam de querer levar Alcochete para a Guiné-Bissau. Outros dizem Seixal e outros de Manchester, porque pensam que devia criar apenas um sintéctico para que as criançºas treinassem. Não. Fiz um investimento de qualidade. Um investimento brutal com academia do nível da europa. Não estou arrependido e muito menos preocupado, porque tenho a certeza que terá retorno. Quem critica, não tem noção daquilo que o futebol gera. Uma certeza tenho. Criando a infraestrutura que estou a criar na Guiné-Bissau, tenho a certeza que a curto prazo terei retorno enorme. Não tenho dúvidas disso. Primeiro, porque a academia está num país com talento enorme. Quando se vê meninos de 12 ou 13 anos a treinar na Guiné-Bissau, fica-se deliciado. Mas eles precisam de um espaço condigno. Onde vão trabalhar e desenvolver os seus talentos. O futebol hoje, não tem nada com o futebol de há 20 anos. O futebol está evoluído e estamos obrigados a evoluir. A evolução passa pela educação dos nossos jogadores. Porque não podemos constantemente continuar a trazer meninos de 12, 13 e 4 anos da Europa. Pode ser a partir dos 16 anos, quando já tem idade para celebrar o primeiro contrato, mas também quando chega com outro nível de conhecimento e condições de trabalho que é realizado na Europa com grandes técnicos e grandes professores. Assim, os nossos jogadores quando saem de África chegam muito bem preparado e quando chegam não têm alguma dificuldade de concorrer.« com as grandes academias de Manchester, Benfica, Soprting e Porto. É esta a razão do meu investimento. Proporcionar ao meu país e ao meu povo, condições de trabalho com uma academia de excelência. É por isso que estou a fazer esta academia. Não é nenhum consórcio, mas sim um investimento particular e sem qualquer apoio. Já recebi várias propostas do Benfica, Sporting e Porto que querem associar a exclusividade e nunca aceitei. Eles gtodos são meus clientes. Já tenho empresários que pediram a parceria recusei. Outros inclusive saíram, aqui e foram até a Guiné-Bissau onde ofereceram condições e sempre recusei. É uma empresa que vai concluir a instalação brevemente. Quando concluir e souber quais foram os custos, provavelmente estarei aberto a trabalhar com clubes estrangeiros. O que se vive neste momento é muita ansiedade de potenciais parceiros para visitarem a Guiné-Bissau e constatar in loco o trabalho feito. Por exemplo este fenómeno de Ansu Fati está a ser um problema para todo o mundo. Ao saberem que é da Guiné-Bissau todos estão com curiosidade de vir. Há dias disse um Director de um Causting da Europa que na Guiné-Bissau existem muitos Ansu’s Fati’s outros até melhor. Mas se queremos que os outros venham, temos que organizar a casa. Temos que ter estrutura. Já levamos de Portugal para Bissau pessoas para a prospecção, mas o primeiro obstáculo é o terreno. A pobreza do espaço. Voltam sem selecionar ninguém, porque não há condições de observação. Outros arriscam a levar um para experiência. Porque para observar um jogador, tem de ser em boas condições. Se hoje, o Senegal exporta jovens de 16 a 17 anos a ganhar 5 milhões, porquê é que não podemos fazer isso? Foi por isso que fiz esta aposta apenas com os meus recursos até onde for possível.

UH – Quem falar sobre o montante deste investimento!
CB – É uma parte que sempre reservei as minhas intervenções. Não falo por enquanto dos valores, porque o trabalho ainda não acabou. Mas é um investimento enorme. Temos fundos perdidos. Por vezes a obra para por ordem de engenharia, por alteração do projecto, novas intervenções para evitar derrapagens de chuvas. Antes a academia havia sido projectado apenas para dois campos. Campos de treino e campos de jogo. Mas atendendo a procura de uma academia eliminei outras coisas e decidimos investir nos campos. Ao todo a academia terá quatro sintécticos. Vai ter um sintéctico coberto para o período de chuvas. Depois vamos ter um campo largo só para treinos. Os demais campos (2) são de jogo). Depois vamos ter piscina e um mini hotel. Se Deus quiser vamos retomar os trabalhos. É um trabalho que faço sozinho, e nos períodos da chuva decido suspender porque é exclusivamente o meu esforço. Todo o nosso material é exportado de Europa para áfrica e custa muito dinheiro. Estou confiante que vamos terminar. Sei quanto já investi, mas não quero revelar.

UH – Como é que vai funcionar?
CB – Tudo com base no profissionalismo. A Academia Demba Sanó vai funcionar ao mais alto nível observando basicamente todas as regras de uma academia moderna. Serão trabalho competente. Serviço administrativo do espaço; serviço técnico competente; serviço de educação e do desenvolvimento de jogadores. Ai sim, quando a academia concluir, entrarei em contacto com grandes academias da europa para receber estes apoios. Em Lisboa numa das Faculdades tenho um técnico que já está a elaborar um Plano para tudo isso. Há um conjunto de técnicos competentes e clubes interessados em participar em tudo. Hoje sei o tipo de jogador é que se procura na europa e devo criar condições para a academia produzir. Na Guiné-Bissau temos várias áreas para encontrar os jogadores. Estamos no meio de países que podem ajudar. Senegal, Gâmbia e Mali. Não vamos limitar na Guiné-Bissau. Se podermos ir à Guinée-Conacri para trazer o melhor jogador para a nossa economia e depois fornecê-los a Europa, será feito sem dúvidas. Temos que educar jogadores. Vamos organizar torneios locais e internacionais. E nesses torneios vamos convidar clubes estrangeiros para irem descobrir os jogadores. A academia deve ser equipada ao mais alto nível e o seu funcionamento já está a ser preparado. Por pessoas altamente qualificado. Na Guiné-Bissau vamos aumentar a qualificação dos técnicos para puderem corresponder com as exigências modernas. Hoje a minha ambição é outra. O que quero é ter jogadores que actuam na Champion. Já tive quatro jogadores que jogaram na Champion e não para a segunda liga. Até jogadores em alguns clubes da primeira liga não interessam. Quero um jogador que vai chegar ao mais alto nível. E isso só é possível com um trabalho organizado e bem estruturado. O funcionamento da academia está a ser trabalhado.

UH – Uma curiosidade: tem ambições políticas?
CB – esta pergunta é difícil. Como guineense devo responder e agradeço a perguntar. Se tenho ambições políticas? a minha resposta é que tenho ambição de ver o meu país melhorar e desenvolver. Tenho a ambição do país ser dirigido ao mais alto nível. Falar do país politicamente, digo que estamos na situação em que encontrámos, a viver uma realidade política há muitos anos, uma luta fratricida de há muitos anos, por culpa da pobreza absoluta. Por culpa da falta de qualidade na arena política. Isso é verdade e faz com que cada um de nós tenha ambição. Se está a perguntar se um dia posso concorrer na área política, respondo que qualquer um deve ter essa ambição para ajudar a desenvolver o país. Mas estou atento. Quero convidar aos nossos políticos ou que subam no alto de uma cadeira para verem o país que têm. Quero ouvir se alguém tem orgulho deste país. Termino por aqui, mas sou atento e interessado em assuntos políticos do meu país. Obrigado

Jornalista
Sabino Santos
Jornal Última Hora

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