O mesmo revela que, as meninas e mulheres guineenses enfrentam ainda inúmeros obstáculos à proteção e garantia dos seus direitos face à violência contra a mulher. Esta é uma das principais conclusões do Relatório da Situação da Mulher na Guiné-Bissau, que revelou que 67% das mulheres já sofreu algum tipo de violência por parte de homens. Neste estudo foram inquiridas 1022 mulheres de 47 comunidades das regiões de Gabú, Quinara, Bafatá e Tombali, que partilharam a sua experiência face à sua situação socioeconómica e violência baseada no género.
O relatório foi produzido no âmbito do projeto Nô Na Cuida di Nô Vida, Mindjer – Emancipação e Direitos das Meninas e Mulheres na Guiné-Bissau, implementado pelas ONG Mani Tese, FEC e ENGIM, com o apoio financeiro da União Europeia, da Kindermissionswerk, do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., da Otto per Mille, da Igreja Valdese e da Conferência Episcopal Italiana, com o intuito de caracterizar e diagnosticar a situação das mulheres no que se refere à violência contra as mulheres e raparigas.
“O estudo realizado corrobora a ideia de que há uma aceitação de práticas de violência contra a mulher e contra a mulher enquanto ela ainda é criança, sendo que a maioria das práticas de violência decorrem no seio familiar”, constata Carla Pinto, representante da FEC na Guiné-Bissau, assegurando que “é urgente envolver e responsabilizar todos: homens, mulheres, líderes, pais, mães, avós, avôs, pela forma como educam e pelos seus resultados”. Para Carla Pinto, “mais do que denunciar o agressor, importa alargar a responsabilidades de todos na educação dos seus pares e na afirmação dos direitos humanos e quebrar este ciclo de violência.”
“Poderá uma comunidade evoluir sem garantir os direitos básicos dos seus cidadãos? Não, não pode. Não podemos estar juntos na violência!”, vinca. Numa primeira fase, o estudo analisou a situação socioeconómica das mulheres para melhor compreender os recursos e competências da mulher guineense para fazer face à violência. Nesta análise, verificou-se que o casamento precoce é uma prática comum, com quase metade das mulheres inquiridas a casar antes dos 18 anos, 36% entre os 15 e os 18 anos, e 10% antes dos 15 anos. A grande maioria (81%) assume terse casado por decisão dos familiares e 35% engravidou antes dos 18 anos, evidenciando que o casamento forçado e a gravidez precoce fazem parte da realidade de meninas e mulheres guineenses.
Numa segunda fase, foi analisada a situação da mulher face à violência por parte de um parceiro ou não parceiro. 44% das mulheres que têm ou já tiveram um parceiro, referem ter sofrido violência psicológica, 38% violência física, 22% violência sexual e cerca de 25% reportou sofrer violência económica, verificando-se ainda que uma em cada três mulheres foi vítima de mais do que um tipo de violência.
O facto de metade das agressões físicas ter ocorrido nos últimos 12 meses e de mais de um terço se tratarem de atos graves, demonstra que independentemente da região, etnia, religião ou escolaridade, a violência faz parte do quotidiano da mulher que está num relacionamento. A violência não está presente apenas na vida de mulheres que têm um relacionamento. 29% das mulheres inquiridas revelou já ter sido vítima de violência por um não parceiro, sendo que 80% da violência tem origem no seio familiar, sendo o pai o principal agressor.
O estudo revelou ainda que as mulheres sofrem de violência repetidamente, uma vez que os atos reportados aconteceram desde os 15 anos, e uma a quatro vezes, por um a três agressores diferentes. No que se refere à violência sexual, 54 meninas e mulheres foram vítimas de violência sexual e 47 vítimas de tentativas de violação. O estudo analisou ainda a Mutilação Genital Feminina [MGF], crime na Guiné-Bissau desde 2011, e apurou que 60% das mulheres inquiridas foi submetida a esta prática nefasta.
No que se refere à perceção sobre esta violação dos Direitos Humanos, apesar de a maioria considerar que esta prática não deve continuar, 19% da amostra ainda acredita que a MGF traz algum benefício: respeito (37,3%) e possibilidade de obter dinheiro e/ ou bens materiais (14,5%). Apesar da violência doméstica ser considerada um crime público na Guiné-Bissau, o estudo revelou que as vítimas têm dificuldade em denunciar os atos de violência.
Das 687 mulheres inquiridas que sofreram pelo menos um ato de violência por parte do parceiro e/ou não parceiro, apenas 21 reportaram às autoridades policiais e em apenas um dos casos o agressor foi detido. O silêncio das vítimas é ainda explicável pelo facto de 50% considerar a violência doméstica aceitável e apenas 23% conhecer os serviços e entidades que prestam apoio às vítimas de violência contra a mulher.
A divulgação de serviços de apoio à vítima, incluindo autoridades policiais, serviços de saúde, serviços jurídicos e de assistência social é essencial para garantir cuidados e proteção às vítimas de violência. O estudo evidencia a urgência da ação em favor da defesa dos direitos das mulheres e crianças face à violência que se verifica constante e normalizada ao longo da vida de crianças, raparigas e mulheres.
Os dados sublinham a importância da intensificação de ações de sensibilização e formação sobre leis e educação parental, agindo em prol da mudança dentro do seio familiar, comunitário e da sociedade guineense em geral, mobilizando homens e líderes comunitários para a promoção da paz, bem-estar e harmonia no seio familiar.
A mudança desta realidade passará igualmente pela responsabilização e trabalho em rede de autoridades e entidades envolvidas, garantindo as intervenções e o seguimento necessários, desde a identificação dos casos, passando pelo atendimento às vítimas, eventual acolhimento das mesmas, acompanhamento e proteção psicossocial, registo pelas autoridades policiais e encaminhamento para o acompanhamento judicial junto do tribunal. Estas etapas são fundamentais para que as mulheres e meninas vítimas de violência, nas suas diferentes formas, vejam os seus direitos protegidos e garantidos na Guiné-Bissau.