Jair Bolsonaro, com a sua concorrida manifestação de 25 de fevereiro na Avenida Paulista, em São Paulo, pode ter causado preocupação ao Governo, mas o maior motivo de constrangimento para o presidente Lula da Silva em 2024 foi provocado por dois cidadãos desconhecidos. Rogério Mendonça, 35 anos, e Deibson Nascimento, 33, escaparam a 14 de fevereiro de uma prisão de segurança máxima, em Mossoró, Rio Grande do Norte, e quase um mês depois continuam a monte, apesar da mobilização de 500 agentes da elite policial brasileira, de helicópteros, de drones e de cães farejadores.
E enquanto Querubin e Tatu, como os dois criminosos “de alta periculosidade”, com penas acumuladas de 74 e 81 anos, respetivamente, são chamados na organização criminosa Comando Vermelho, desmoralizavam o aparato do Estado brasileiro, surgia a notícia de outra fuga, desta vez de Douglas Anastácio, de 33 anos, e Naudiney Martins, de 32, acusados de tráfico de drogas, roubos e furtos, da prisão de segurança máxima de Campo Grande. Querubin e Tatu escaparam pelo buraco do candeeiro das celas, Anastácio e Martins saltaram o muro com a ajuda de cordas.
“Foi um caso muito sério e muito grave, os problemas já vêm de outros Governos, mas este tinha a obrigação de ter visto e consertado. A imagem de Lula é muito afetada, razão pela qual a polícia tenta encontrá-los o mais depressa possível”, afirma Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em conversa com o DN.
“Entretanto, a recaptura, apenas, não chegará, porque depois falta reconquistar a confiança no sistema penitenciário, o que demorará muitos anos, e as prisões de segurança máxima são, ou eram, um instrumento importantíssimo no combate ao crime organizado no país”, conclui.
“É tudo muito constrangedor, o que constrange mais é a demora na recaptura e a revelação de que os presídios de segurança máxima do Brasil não oferecem essa máxima segurança que se pressupunha”, resumiu o colunista Josías de Souza, no UOL News.
Até este ano, ninguém jamais escapara das cinco cadeias deste tipo espalhadas pelo Brasil. Dias depois da posse de Ricardo Lewandowski, um ex-juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), como ministro da Justiça e da Segurança em substituição de Flávio Dino, que fez o percurso inverso e está hoje no STF, acontecem as quatro fugas.
“O Lewandowski assumiu há pouco mais de um mês e converteu-se de ministro da Justiça num administrador de crises”, continua Souza. “Não se pode, entretanto, atribuir-lhe culpas, ele assumiu quando o problema já estava diagnosticado em documentos oficiais durante o Governo Lula e o então ministro Flávio Dino não tomou providências, a insegurança no candeeiro em Mossoró, aliás, tinha sido detetada já na gestão Sergio Moro, no Governo Bolsonaro, e nada se fez para resolver os problemas.”
Para Eduardo Galvão, professor de Políticas Públicas e Relações Institucionais do Ibmec, “podem surgir argumentos a favor da especialização das áreas, a Justiça numa pasta e a Segurança, noutra”. O problema é, pois, político: deve Lula dividir o ministério e atribuir uma pasta apenas à Segurança por esta ser vista, tradicionalmente, como problemática para os Governos de esquerda?
“À direita, a resposta mais fácil é culpar Lula. Um discurso que se esquece de que quem cuida da segurança pública são principalmente Governo do Estado e prefeitura”, escreveu o economista Joel Pinheiro da Fonseca, no jornal Folha de S. Paulo. “No entanto, a acusação tem seu fundinho de verdade: a esquerda é um vazio de propostas no tema da segurança.”
Por exemplo, os furtos aumentaram 56% de janeiro a outubro de 2023 por comparação com o mesmo período de 2022, em Copacabana, um dos bairros mais turísticos da cidade, Rio de Janeiro, mais visitada do país. Os residentes passaram a usar um telemóvel para passeio e outro, com os dados essenciais, para ficar em casa, longe dos ladrões. E nas ruas criaram-se grupos de “justiceiros” que perseguem os assaltantes nas barbas das autoridades.
E o Rio é só a ponta mais mediática de um icebergue: segundo o FBSP, as notificações de violações cresceram 16,3% em média em todo o país no primeiro semestre de 2023, o que equivale a dizer que, a cada oito minutos, uma mulher é violada, o maior índice desde 2019. No estado de São Paulo, o mais populoso do país, os feminicídios cresceram 33,7% este ano, em Minas Gerais, o segundo mais populoso, 25,6%.
Em resposta, as polícias, sobretudo a do Rio e a da Bahia, têm sido notícia por chacinas efetuadas em favelas “à procura” de suspeitos. No Mato Grosso, cuja polícia matou 66 pessoas este ano face a 15 em 2022, o aumento do crime policial é de 340%.
Na Amazónia Legal, grupo de estados que abriga a floresta tropical, um estudo do FBSP de novembro indica que a taxa de mortes violentas na região é hoje 45% maior do que a média nacional em virtude da guerra entre Primeiro Comando da Capital e o citado Comando Vermelho, as duas maiores organizações criminosas do Brasil, iniciada no local há sete anos.
Os números policiais geram números políticos: segundo sondagem recente do instituto Atlas Intel, 60,8% dos brasileiros viam no final do ano passado “a criminalidade e o tráfico de drogas como o principal problema do país” e 41% deles consideram “péssima a atuação do Governo” na área. Segundo a pesquisa, seis em cada 10 brasileiros teme andar na rua. Noutra sondagem, a violência surgia empatada com a Saúde como principal preocupação dos brasileiros, segundo o instituto Datafolha.
E, de acordo com um levantamento do instituto Quaest, realizado já entre os dias 25 e 27 de fevereiro, só 35% dos entrevistados consideram o Governo atual “positivo”, o patamar mais baixo desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto.
Com a economia a produzir bons números – aumento do PIB de 2,9% – os observadores atribuem a queda de popularidade menos àquela manifestação de Bolsonaro e mais à fuga de Querubin e Tatu.