Sociedade

GT da Comissão Africana apresenta ‘Linhas Directrizes’ sobre o desaparecimento forçado e chama atenção do papel dos Estados e da SC na erradicação

O Grupo de Trabalho (GT) da Comissão Africana dos Direitos Humanos e Voluntariado apresentou hoje (19) as Linhas Directrizes da protecção das pessoas vítimas do desaparecimento forçado. Num Webnaire que juntou mais de cinco dezenas de participantes, o GT dirigido pelo Comissário, Idrissa Sow, alertou a todos que, o desaparecimento forçado é uma realidade em África e urge um trabalho conjunto para pôr fim a este fenómeno. O GT alerta ser fundamental a ratificação da Convenção sobre vítimas do desaparecimento forçado e considera de “deveras difícil”, lutar para a erradicação de um fenómeno no qual “o próprio Estado” surge como um dos maiores responsáveis. Mesmo assim, o GT da Comissão Africana está engajado numa estratégia de resposta global sobre este fenómeno e tornam-se fundamentais os papéis que o Estado e a sociedade civil devem jogar na sua erradicação.

Na nota introdutória, Sow sublinhou que, a ONU encarregou a Comissão Africana através deste GT a elaboração das Linhas Directrizes de vítimas do desaparecimento forçado e contonou com a participação das organizações de sociedade civil e foram depois adoptadas. “As Linhas que visam fornecer aos Estados membros, uma orientação e apoio ao seu engajamento a favor de erradicação do desaparecimento forçado.  Devem os Estados adoptar textos nacionais específicos para lutar contra isso. Tem de haver uma apropriação a todos os níveis e de todas as partes”, indicou Idrissa Sow.

Segundo ele, o atelier visa dar a conhecer as linhas directrizes que têm como destaques, a Prevenção, a protecção, a investigação, a punição dos autores do desaparecimento forçado. “O Estado ainda tem de actuar em várias frentes sobre este fenómeno. Não basta apenas combater ou prevenir. É preciso recuperar as pessoas vítimas do desaparecimento forçado”, destacou Idrissa Sow numa das passagens do texto.

“O Objectivo é forçar as obrigações jurídicas”

Após a abertura dos trabalhos por parte do Comissário, Catrole Valery, membro do Grupo de Trabalho encarregou-se de apresentar às Linhas Directrizes e salientou que, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos elaborou um conjunto de documentos relativas ao direitos humanos com o objectivo de reforçar as obrigações jurídicas existentes os Estados membros.

Previamente, as Linhas Directrizes procuraram assinalar ás causas do desaparecimento forçado e precisou que el aguns casos se deve à conflitos armados, transições políticas pós-conflitos, situações de urgências, emigração e práticas intimidatórias. Outra nota enfatizada para uma maior compreensão do tema, são os grupos alvos e neste particular se refriu que, quem mais sofre com o desaparecimento forçado são defensores dos direitros humanos, militares, jornalistas, homens políticos e emigrantes.

“É por isso que, as Linhas Directrizes depois de definir, quis que todos reconheçam o desaparecimento forçado como a violação dos direitos. Os Estados devem prevenir, proteger, investigar, perseguir, punir, e reparar. Cada Estado parte, deve adoptar medidas de investigação sobre pessoas desaparecidas”, indicou Carole valery.

O desaparecimento das pessoas, no qual o Estado surge como o principal suspeito viola direitos não só da vítima, mas aqueles relacionados com a família, amigos e do povo em geral. “A carta Africana no seu artº. 1º, diz que os Estados reconhecem e se engajam na protecção dos cidadãos. Essas Linhas que vulgarizamos hoje visam fornecer aos Estados membros a forma como devem actuar em relação às pessoas vítimas do desaparecimento forçado. Porque o desaparecimento forçado viola económicos, sociais e culturais. O desparecimento forçado tem impacto nas pessoas que desapareceram, naqueles que os buscam e nos seus entes queridos. Tem impacto na saúde dos mesmos. Tem impacto nas crianças etc…”, comentou Carole Valery.

Em relação às consequências, o Grupo de Trabalho na voz de Valery destaca que, na maioria dos casos, quando alguém desaparece durante a gravidez e depois do nascimento do filho exige-se a presença do pai. E, se o pai não aparecer, a criança fica sem poder ir a escola. “Quando se trata da pessoa que sustenta a família, o seu desaparecimento forçado provoca consequências irreparáveis”, precisou.

 

“Não ao desaparecimento forçado”

Face a gravidade do fenómeno, o GT destaca que, a obrigação dos Estados é abster-se de envolver em desaparecimentos forçados, prevenir, investigar e punir. “Qualquer Estado tem de abster-se de fazer desaparecer as pessoas de forma forçada. Os Estados devem prevenir absolutamente. Mesmo em caso de distúrbios sociais ou instabilidade, os Estados não devem praticar nenhum desaparecimento forçado. Mas um dos mais importantes é os Estados terem instrumentos jurídicos que criminalizam o desaparecimento forçado. Num conjunto de mais de cinco dezenas de Estados africanos, apenas 19 já ratificaram a Convenção,  mas nenhum tem lei interna a respeito. A Gambia está a beira, mas não aprovou. O Senegal também”, revelou Eva Nudd, do Grupo de Trabalho.

Tratando-se de algo que está a preocupar a Comissão dos Direitos Humanos e Voluntariado da União Africana, o grupo de Trabalho recomenda que, os Estados tenham programas de formação. Isto é, formar militares, polícias e agentes dos serviços prisionais. “Os Estados devem ter leis que ilegalizam os actos. As pessoas detidas deve ser mantidas em centros conhecidos. Os detidos devem comunicar com a família e com seus advogados”, recomendou.

A título de exemplo fez referência à questão dos emigrantes que são rejeitados na tentativa de entrar para a europa, mas quando são retornados para Líbia e não têm contactos com ninguém. “É preciso documentar a questão do desaparecimento forçado. Ter registo, nomes, a data da detenção, a razão da detenção. Estes princípios não são defenidos apenas pela Comissão Africana, mas outros instrumentos internacionais. Não se pode obrigar a pessoa a voltar o seu país de origem se corre o risco de desaparecer”.

Considera de extremamente importante um engajamento sério do Estado no combate ao desaparecimento forçado, o Grupo de Trabalho alerta que, quando se procura as pessoas vítimas do desaparecimento forçado, os Estados devem fazer o ponto de situação sobre os avanços. A investigação deve ser comunicada. Se morrer, os Estados devem continuar a procura de pessoa responsável pela sua morte. Se for encontrada, devem fazer o mesmo. Nessa investigação, o ônus da prova deve cair para o Estado. As violações precisam de serem documentadas, porque se tratam de violação dos direitos”, continuou.

 

“A justiça será feita um dia”

Num fenómeno no qual o Estado e seus agentes são principais suspeitos, Eva Nudd acha ser importante o papel da Sociedade civil. Ela disse que, as organizações da Sociedade Civil devem apresentar casos de violação ou de desaparecimentos forçado a Comissão e esta, por sua vez questiona ao Governo do país referenciado. “Não se pode pensar que a justiça não vai ser feita. Pode não ser com o regime vigente, mas será com outro. É verdade que é difícil fazer Justiça quando são os Estados que estão por detrás dos desaparecimentos, mas a Comissão pode questionar os Estados através de uma carta que é enviada. E, no futuro, haverá julgamento. Gâmbia está a ser um exemplo disso”, assegurou para depois defender que, quando os Estados não interessam por esta matéria, porque não são responsabilizados, é preciso que haja uma sociedade civil forte.

Eva Nudd, defende que é preciso instaurar processos judiciais contra pessoas. “Estes crimes não devem ter prescrição. E mesmo em caso de existir prescrição, os prazos devem ser longos. Crimes desta natureza não devem ter amnistia”, desejou a expert para apontar que, os processos do desaparecimento forçado, devem abranger executores e planificadores. “A pena deve refectir a gravidade do crime. Por exemplo, uma oena de dois anos, não reflecte a gravidade”, citou uma das conclusões do Grupo de Trabalho.

Relativamente a colaboração entre os Estados, ela lembra que o Comissário falou de emigrantes. “Normalmente o que acontece é que muitos emigrantes quando chegam aos países de destino desejado, não conseguem dizer o nome de país de proveniência. Por isso, os Estados devem partilhar as informações. Na questão da extradição, uma pergunta é colocada: será que se deve extraditar uma pessoa que arrisca a desaparecer? Sem resposta para esta questão, aquela que parece mais fácil de responder é a obrigação dos Estados extraditarem aqueles que estão na origem de crimes de desaparecimento forçado”.

Divulgar Directrizes e acções contra o desaparecimento forçado

Aua Baldé, responsável pela educação e membro do GT ao intervir defende a responsabilização dos Estados, porque, conforme avançou, existem compromissos que os Estados assumiram. E os mecanismos de trabalho devem ser adoptados nesses Estados. Ela aponta como recomendações que, os Estados devem abster de cometer os desaparecimentos forçados, mesmo em caso de emergência. Devem prevenir os desperecimento forçados, através da divulgação dos mecanismos, bem como capacitar os envolvidos em diferentes fases. “Os Estados têm a obrigação de ratificar as convenções e integrá-las nos regimes jurídicos internos. As pessoas precisam de serem protegidas contra actos ilegais… e há um dever de não rejeição. Isto é, não permitir quer as pessoas não sejam repatriados para os estados onde podem desaparecer. Os Estados devem adoptar um regime jurídico das reparações. As medidas de reparação devem ser conhecidas e as vítimas devem saber como acedê-las”.

 

Sabino Santos

 

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