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Luta dos técnicos de saúde enfrenta a actuação musculada das forças de ordem

As forças de ordem confrontaram-se esta manhã na sede da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG) com quadros e técnicos de saúde que preparavam uma vigília para exigir a libertação dos seus colegas ‘líderes sindicais’ detidos pelo Ministério Público no dia 22 de Outubro corrente, sob suspeitas de crimes de omissão ao auxílio. A confrontação de hoje (25), resultou começou com troca de acusações entre polícias e técnicos, ordens de dispersão, lançamento de gás lacrimogénio e culminou com a detenção de dois dos técnicos em protesto. Um técnico foi retirado forçosamente na sede da UNTG e empurrado pelos Agentes da Polícia para o carro em que seguiam e um segundo capturado na esquina do ex-prédio da TAGB e levados para uma parte incerta. Alfredo Biaguê, um dos dirigentes da UNTG que estava presente, disse não compreender  como é possível as forças de ordem travarem uma reivindicação pacífica dos associados na casa dos sindicatos. Entende que os sindicatos não podem vergar e a justiça da luta que estão a travar, vai lhes dar mais força.

Um protesto que parecia pacífico, tornou-se horrível para muitos técnicos de saúde que num determinado momento por força de agressões, debandaram-se do local. Descontentes com a detenção dos líderes sindicais na semana passada, a medida que concentravam na sede da UNTG, os técnicos exibiam os seus cartazes e dísticos pedindo a libertação dos detidos. Num dos cartazes maioritariamente ‘improvisados em papel A4’, podia ler-se: “liberdade incondicional para os líderes sindicais”.

Antes do aparecimento das forças de ordem, a determinação era total. As ameaças quase que constantes e mantiveram o mesmo espírito até no momento de confrontação. O primeiro grupo de polícias transportados num todo terreno da Polícia de Intervenção Rápida chegou com as advertências que, os técnicos que concentraram não podiam lá continuar.

Como era de esperar em situações dessa natureza, alguns ‘mandaram vir’ com os agentes avisando que custaria o que custasse, jamais abandonariam a sede da UNTG, enquanto os colegas não forem colocados em liberdade.

A chegada dos agentes dispersou os menos resistentes que acantonaram em várias direcções. Uns na parte da esquina do hotel Malaika, os menos corajosos nas zonas de Ancar e outros mais para a parte improvisada do mercado central ao lado da papelaria Paz e Bem. Aqueles que resistiam na porta da UNTG não poupavam palavras em discussões com as forças de ordem e em consequência disso, os agentes retiraram forçosamente um deles que, os colegas nem reconheciam por estar a portar máscara, mas confirmaram tratar-se de um técnico.

O processo de meter o técnico na viatura da PIR sem matrícula foi violento, havendo mesmo os agentes que o pontapeavam e outros agrediam com socos. Já na esquina do ex-Prédio da TAGB, na zona que liga Mbatonha à rua que dá acesso ao prédio de Nações Unidas, um outro técnico foi capturado pelas forças de ordem e recebeu o mesmo tratamento dos Polícias que, pelos vistos pertencem a 4ª Esquadra, unidade responsável para a Zona 0 da cidade de Bissau.

A detenção dos dois técnicos provocou mais ira dos colegas que já estavam muito nervosos e prometeram perseguir os agentes até onde pararem. Uma senhora ofereceu-se para ser levada com os colegas detidos e capturados, mas a Polícia não lhe deu ouvidos.

Num procedimento praticamente estratégico, uma segunda viatura chegou e retirou os restantes agentes que estavam escalados a frente da sede da UNTG. Foi a partir daquele momento que apareceram Polícias de Intervenção Rápida antimotins que lançaram gás lacrimogénio em duas direcções. O primeiro tiro foi para a zona de Ancar, o segundo para o improvisado Mercado Central, onde funcionam duas agências financeiras. Uma agência do Orabank e outra de Western Union.

Os efeitos de gás geraram pânico até junto daqueles que foram pedir prestação de serviço nos bancos. A situação gerou igualmente algum calafrio entre os utentes e um militar que estava no local, porque quando as vítimas criticavam e insultavam o comportamento da polícia, o militar que provavelmente também estava lá para retirar alguma moeda, defendia o contrário. Ele entendeu que, os utentes do banco permitiram a permanência no local, dos técnicos de saúde em confronto com a polícia e que estavam em fuga.

No mesmo espaço, a reportagem do Jornal Última Hora testemunhou um acto solidário de um agente da Polícia a prestar auxílio a uma senhora vítima de gás lacrimogénio, oferecendo-lhe água para lavar a cara.

 

Polícia exigiu a saída de toda gente na sede da UNTG

Nas instalações da UNTG, alguns técnicos permaneceram e foram para o primeiro piso que constituíram o estado-maior de uma estrutura com liderança decapitada. Um deles mais sereno, era quem implorava a todos para ficarem dentro e manterem a porta fechada. No começo não aceitavam que a porta fosse mantida fechada, mas quando a frente da UNTG se disparou mais um explosivo de gás, todos subiram. Ficaram apenas duas delas que  presumiam que, o que as forças de ordem queria era bloquear as porta e asfixiá-los.

Já no 1º Piso da sede da UNTG, um técnico de saúde em troca acesa de palavras com as forças de ordem, disse reconhecer um agente da Polícia pelo que, no dia em que este adoecer ajustarão as contas. Ele dizia convictamente que, sabe que, aquele agente que os impedia de lutar pelos seus direitos, não tem meios financeiros para fazer o tratamento no exterior, pelo que, quando se encontrarem no Simão Mendes ajustarão as contas.

A reportagem do Jornal Última Hora ouviu um agente da Polícia a lamentar o facto de não ter acesso a aquele jovem que estava no 1º Piso da UNTG e que lhes dirigia palavrões. ‘Má si nó pega es gossi’, dizia de forma desesperada. UH testemunhou que, já na porta que dá acesso ao interior da UNTG, um agente foi atingido com um saco de semivazio. A situação provocou a revolta, onde a polícia determinou que, só duas coisas podiam acontecer. Ou levam o autor, ou entravam. Um senhor que não se pode confirmar se é técnico de saúde ou não, foi quem assumiu a liderança negociando com a polícia para não entrar e em contrapartida, os técnicos permanecerão no interior da sede da UNTG. A negociação ocasional até surtiu efeitos, porque provavelmente a Polícia que estava numa média de duas dezenas e meia, sem contar com o carro  que lançava gás, acabaram por ceder.

 

Assim vai o país

No interior da UNTG, Alfredo Biaguê, presidente do Sindicato Democrático dos Professores (Sindeprof) disse não compreender quais as motivações da Polícia em restringir actos cívicos. “Estou aqui desde primeira hora e pude acompanhar. São sindicatos afilhados na UNTG e concentraram aqui para exigir a libertação dos colegas. Não foram ao lado nenhum e nem tinham perspectiva de ir, pelo menos por aquilo que é do nosso conhecimento”, começou por afirmar o sindicalista.

Em sua opinião, como os técnicos de saúde estavam na casa do sindicalismo, nada justificava a intervenção da Polícia. “Mas assim vai o país. O que assistimos ou aqui, ou ainda estamos a assistir é negação de liberdade sindical. É verdade que em situações dessa natureza há quem sempre quem desabafa. Mas acredito que, eles se sentiram provocados pela Polícia. E a polícia não podia nunca estar a fazer o que fez. Espancar, deter e até trocar insultos com alguns. Isto está mal e não tem outro nome: é negação de liberdade sindical”, disse o sindicalista que afirmou estar triste e impotente.

Impotência era o sentimento reinante na classe médica. Um jovem que contorcia com os efeitos de gás, não cansava de falar para os agentes compreenderem que o problema não era com eles. “Não temos nada convosco. Estamos aqui apenas a reivindicar os nossos direitos”, dizia em crioulo com um saquinho de água na mão para lavar a cara e diminuir os efeitos de gás.

Importa sublinhar que, o autor do texto era o único jornalista presente no local.

 

Texto: Sabino Santos

Imagem: Sabino Santos

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