Os militares anunciaram, na quarta-feira, a destituição do presidente, Umaro Sissoco Embaló, suspenderam o processo eleitoral, os órgãos de comunicação social e impuseram um recolher obrigatório, antecipando-se à divulgação dos resultados das eleições gerais de 23 de novembro.
A meio do dia de quarta-feira surgiam as primeiras descrições de tiros, junto ao Palácio Presidencial em Bissau, situação que durou cerca de meia hora, tendo sido seguida por um comunicação das Forças Armadas, a informar que os militares tinham assumido a liderança do país. Depois, o Alto Comando Militar dava conta de que o presidente, Umaro Sissoco Embaló, tinha sido deposto e estava sob custódia.
Já durante o dia de hoje, confirmaram que Embaló está sob custódia, juntamente com o ex-ministro do Interior e da Ordem Pública Botche Candé, o ex-vice e ex-Chefe do Estado-Maior general das Forças Armadas, respetivamente o tenente-general Mamadu Turé e o general Biagué Na N’Tan. “Encontram-se sãos, porém, sob custódia deste comando”, revelaram, acrescentando que o recolher obrigatório seria levantado.
O general Horta Inta-A foi, entretanto, empossado presidente de transição da Guiné-Bissau, numa cerimónia que decorreu, esta quinta-feira, no Estado-Maior General das Forças Armadas guineenses.
Período de transição começa hoje e pode durar até um ano
O presidente da Transição Militar na Guiné-Bissau disse que o período de transição no país durará no máximo um ano e que a tomada do poder do Estado não foi uma opção fácil. Numa declaração, em português, após ser investido pelo Alto Comando Militar para Restauração da Segurança Nacional e Ordem Pública como presidente da Transição Militar, transmitida pelas redes sociais da Televisão da Guiné-Bissau (TGB), Horta Inta-A disse que “não foi uma opção fácil” a ação que resultou na tomada de poder do Estado pelas Forças Armadas guineenses.
A ação dos militares visou, segundo descrevem, estancar “uma ameaça crescente que podia por em causa a democracia e a estabilidade política do Estado guineense”, explicou, referindo-se a “uma ameaça portadora de ingerência do Estado, de desordem pública e da própria desintegração das instituições do Estado de direito democrático, ameaça essa que era preciso prevenir e travar”.
“Golpe” ou “tentativa desesperada”?
Recorde-se que as eleições gerais do país, que decorreram sem registo de incidentes, tinham sido realizadas sem a presença do principal partido da oposição, o histórico Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e do seu candidato, Domingos Simões Pereira, excluídos da disputa e que declararam apoio ao candidato opositor Fernando Dias da Costa.
Simões Pereira foi depois detido e a tomada de poder pelos militares está a ser denunciada pela oposição como uma manobra para impedir a divulgação dos resultados eleitorais. A Coligação PAI Terra Ranka (PAI-TR), liderada por Simões Pereira, interpreta o “suposto golpe de Estado”, como uma “tentativa desesperada” de Sissoco Embaló para travar a proclamação dos resultados eleitorais.
“Apurados os resultados provisórios nos círculos eleitorais, nas regiões e a nível nacional, ficou claro que Fernando Dias da Costa, o candidato apoiado pelas Coligações PAI-TR e API-CG e por várias outras plataformas políticas, foi escolhido para ser o próximo Presidente da República da Guiné-Bissau”, lê-se num comunicado da Coligação PAI-TR, divulgado na página do Facebook de Domingos Simões Pereira.
“No decurso do suposto golpe de Estado, forças militares invadiram as instalações da diretoria de campanha do candidato Fernando Dias da Costa, numa altura em que este e o presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, se encontravam reunidos com observadores internacionais para avaliar o processo eleitoral”, acrescentam.
As críticas e reações
As últimas horas na Guiné-Bissau também têm sido marcadas por críticas, que sublinham a inação por parte da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), mas também de Portugal, da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da própria União Africana (UA).
Tanto a CPLP, como a CEDEAO, marcaram de imediato reuniões de emergência para debater os últimos acontecimentos e tomar uma posição e o presidente da missão de observação eleitoral da União Africana (UA) na Guiné-Bissau, o ex-presidente moçambicano Filipe Nyusi, disse que o ambiente no país estava calmo, mas com “alguma timidez na movimentação da população”.
Por seu lado a União Europeia disse estar a acompanhar “com preocupação os desenvolvimentos na Guiné-Bissau”, e pediu o “regresso célere à ordem constitucional” do país e contenção para evitar mais violência.
A Nigéria e África do Sul condenaram o golpe de Estado, apelando à restauração imediata e incondicional da ordem constitucional, enquanto a Rússia e o Brasil pediram contenção e “diálogo”.
E Portugal?
Logo na quarta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros português apelou a que não se usasse “em caso nenhum a violência” e ao regresso da “normalidade constitucional”, bem como à “contenção do uso da força e até nas detenções”, pedido que reforçou novamente hoje. Nas últimas horas, garantiu, entretanto, que a comunidade portuguesa “está perfeitamente calma”.
“Está a ser informada sobre toda a atualização que se pode fazer da situação e, portanto, não temos nenhuma situação (…) merecedora de nota ou de reparo até agora”, indicou Paulo Rangel.
Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que contactou o seu homólogo guineense, Umaro Sissoco Embaló, que lhe disse estar bem de saúde e teve uma “reação agradecida, positiva e simpática”.
A TAP decidiu adiar para sexta-feira o voo previsto para hoje com destino a Bissau. O voo partia de Lisboa às 14h40 e está agora previsto para sexta-feira à mesma hora.
Recorde-se que este foi o 10.º golpe de Estado no continente africano desde 2020. Os governos da Guiné-Conacri, do Sudão, do Níger, do Gabão e de Madagáscar sofreram um golpe de Estado nos últimos cinco anos, enquanto os do Mali e do Burkina Faso tiveram esse desfecho por duas vezes.



