sábado, setembro 13, 2025
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As desavenças diplomáticas de Sissoco Embaló com Lisboa

A recente decisão do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, de suspender as emissões de três órgãos de comunicação social portugueses e expulsar os seus correspondentes e delegados de Bissau constitui o culminar de uma sucessão de desavenças com as autoridades de Lisboa. Fontes próximas da Presidência em Bissau afirmam que o chefe de Estado chegou a considerar a expulsão do embaixador de Portugal, mas terá sido aconselhado a recuar nessa opção, optando por um gesto igualmente contundente, mas com forte impacto simbólico e político: silenciar a imprensa lusa no país.

O episódio que terá feito transbordar o copo foi a recusa de Portugal em autorizar a entrada de Sissoco Embaló para um período de férias, acompanhado da sua comitiva e do arsenal de segurança. O manifesto de viagem, submetido pelas autoridades guineenses, incluía dezenas de membros e armamento pesado. A embaixada portuguesa em Bissau vetou o pedido, justificando-se com o número excessivo de acompanhantes, muitos dos quais, segundo Lisboa, acabam por permanecer irregularmente no território, e com a exigência de transportar armamento, considerada desnecessária dado que Portugal garantiria a segurança do chefe de Estado.

 

Relações tensas e sentimento de abandono

 

Este confronto directo resultou de um acumular de episódios de frustração. Embaló tem reiteradamente acusado Portugal de não lhe assegurar a dignidade protocolar nem as condições de segurança devidas a um chefe de Estado aquando das suas visitas. O Presidente guineense queixa-se de ter sido deixado “à sua sorte” perante manifestações de activistas guineenses residentes em Portugal, que frequentemente contestam a sua presença.

Um dos episódios mais sensíveis ocorreu quando seguranças de Embaló se envolveram em confrontos com activistas à porta do hotel onde o Presidente estava alojado. A cena de violência, que envolveu agentes armados da sua comitiva, desencadeou a intervenção da justiça portuguesa. O Ministério Público notificou alguns elementos da segurança de Embaló para prestarem declarações, na sequência de uma queixa apresentada por manifestantes. Para o Presidente, a convocação judicial dos seus seguranças representou uma afronta intolerável à sua autoridade.

A ruptura na Cimeira da CPLP

A tensão agravou-se na XV Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Bissau. Embaló terá sentido que Lisboa, tradicional aliado, se distanciava politicamente. A ausência de Marcelo Rebelo de Sousa, que cancelou a deslocação a dois dias do evento, e a não comparência do primeiro-ministro Luís Montenegro foram entendidas pelo Presidente guineense como uma dura afronta pessoal e diplomática. A partir daí, terá praticamente assumido uma ruptura política com Portugal, acusando Marcelo de o ter desconsiderado publicamente.

Uma posição que contrastou com o imobilismo de Sissoco Embaló perante a igual ausência do presidente angolano, João Lourenço, do seu homólogo brasileiro, Lula da Silva, bem como de Teodoro Obiang Nguema da Guiné Equatorial.

Cerca de uma semana após o encerramento da Cimeira da CPLP, o jornalista e delegado da RTP na Guiné-Bissau, Waldir Araújo, foi violentamente agredido em Bissau por indivíduos não identificados que terão acusado a RTP “de denegrir a imagem da Guiné-Bissau no exterior”.

 

Da recusa portuguesa à decisão drástica

 

No final de Julho, Umaro Sissoco Embaló anunciou a intenção de passar um mês de férias em Portugal. Contudo, o manifesto de viagem enviado pelas autoridades guineenses, que incluía vários membros na comitiva e armas, foi recusado por Lisboa e transmitido pela embaixada portuguesa em Bissau. A missão diplomática lusa justificou a decisão com o número excessivo de acompanhantes, muitos dos quais acabam por não regressar, e com a inclusão de armas cuja presença considerou desnecessária, uma vez que a segurança do Presidente seria assegurada em território português.

Após uma segunda tentativa, que também acabou por ser condicionada, Embaló cancelou as férias em Portugal, e optou por Marrocos como destino alternativo. Tendo igualmente decidido retaliar contra o que considerou de afronta.

Chamou o embaixador português em Bissau ao Palácio Presidencial para manifestar directamente os seus protestos, antes de este ser convocado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde lhe foi comunicada oficialmente a suspensão das emissões dos órgãos de comunicação social lusos, RTP, RDP e Agência Lusa.

 

Silêncio e ameaças à imprensa

 

Confrontado em Cabo Verde sobre os motivos da decisão, Embaló recusou comentar. “Jamais falarei de Portugal em Cabo Verde”, afirmou, desafiando os jornalistas locais a deslocarem-se à Guiné-Bissau para avaliarem a liberdade de imprensa.

De 2024 a 2025, a Guiné-Bissau caiu 18 lugares no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa, divulgado pela organização francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF), passando a ocupar a 110.ª posição entre 180 países avaliados. Portugal manteve-se no grupo dos dez países com maior liberdade de imprensa no mundo, figurando no 8.º lugar.

Horas antes, no aeroporto de Bissau, ao embarcar rumo a São Vicente para prestar homenagem às vítimas das chuvas torrenciais, enquanto presidente em exercício da CPLP, o chefe de Estado reagiu com desdém a uma pergunta sobre a suspensão da imprensa portuguesa. Não só se recusou a responder como ameaçou expulsar o jornalista que insistiu na questão.

A crise diplomática entre Bissau e Lisboa atinge, assim, um dos momentos mais tensos da última década, projectando-se para além das relações bilaterais e afectando directamente a percepção internacional sobre a liberdade de imprensa na Guiné-Bissau e o método de governação de Umaro Sissoco Embalo.

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