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Guiné-Bissau: Advogados e académicos contra Ministério Público sobre fim do mandato do PR

O Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau disse que, após o 27 de Fevereiro, o exercício do poder do Presidente da República (PR) Umaro Sissoco Embaló “será ilegítimo”, por desrespeito aos prazos eleitorais.
Para Januário Correia, o impasse político prevalecente sobre o final do mandato do PR só pode ter uma solução politicamente negociada, porque, baseando nas interpretações, a lógica que prevalecer, tornará ilegítimo o Chefe de Estado.
Numa conferência de imprensa para tornar pública a posição da Ordem relativamente ao debate sobre o fim do mandato presidencial, contrariando a interpretação do Ministério Público, Januário Correia destacou que os dispositivos legais sobre o assunto são claros. “O mandato do PR tem a duração de cinco anos, artº 66, nº 1 da Constituição da República”, e termina com a tomada de posse do seu sucessor, precisou o Bastonário.
Segundo Januário Correia, a partir do momento em que se instalou uma confusão na interpretação, para o presente problema existem três saídas. Uma saída Política na qual, os actores vão sentar, negociar e encontrar um consenso, tendo em conta o impasse prevalecente nas instituições da República. “Essa situação, começando pelo fim do mandato e passando pela situação da CNE e do Tribunal de Justiça, precisa de amplo entendimento. Não são essas interpretações que vão resolver, porque a lei é clara em todas elas. Só que chegamos a uma situação em que se tornou impossível a aplicação da lei, mas sim consensos políticos”, disse.
Relativamente à segunda solução que qualificou de “jurídica”, Januário Correia defende a aplicação da Constituição da República e da Lei Eleitoral, mas alertou que “neste momento, por desrespeito aos prazos, não é possível aplicar essas leis. Só que, se se forçar a interpretação que envolve o Acórdão do STJ, o Presidente vai cair na ilegalidade”.
Beatriz Furtado, advogada, defendeu que, de acordo com o art.º 3.º, da lei 10/2013, as eleições presidenciais devem ocorrer entre 23 de Outubro e 25 de Novembro do ano correspondente ao término do mandato presidencial.
“Se o Presidente tomou posse a 27 de Fevereiro de 2020, e considerando que o mandato presidencial tem a duração de 5 anos (nos termos do art.º 98.º da lei eleitoral e artigo 66.º, n.º 1, da CRGB), significa que o referido mandato termina em 27 de Fevereiro de 2025. E, reza o artigo 182.º da Lei eleitoral, sob título tomada de posse do Presidente da República, que o Presidente da República toma posse no último dia do mandato do seu antecessor ou, em caso de eleição por vacatura do cargo, nos termos da Constituição”, cfr artigo 71, CRGB. Portanto, as eleições presidenciais deveriam ter siso realizadas entre 23 de Outubro e 25 de Novembro de 2024. A não realização das eleições presidenciais, dentro do prazo estabelecido no supra referido art.º 3.º, gera diversas consequências jurídicas e políticas”, salientou a advogada.
A interpretação deste preceituado está a ser dificultada por dois factores. O primeiro factor foi o contencioso eleitoral de 2020, intentado pelo candidato derrotado, Domingos Simões Pereira, e que só foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em Setembro do mesmo ano. Acontece que, mesmo na vigência do Contencioso Eleitoral, o Presidente eleito, a título unilateral, com apoio do 1º vice-presidente da ANP na altura, Nuno Gomes Nabian, avançou para a tomada de posse, considerada simbólica. Quando a decisão do STJ foi conhecida, Umaro Sissoco Embaló, já com a veste de Presidente da República efectivo, disse que o acórdão não lhe dizia nada e que não voltaria a tomar posse legalmente.
Ao comentar essa imperatividade de Sissoco Embaló, em tomar posse após o anúncio do fim do contencioso, o Professor universitário Paulino Quadé, considerou que era desnecessário, porque as funções já estavam a ser exercidas efectivamente.
O Presidente da República, que levantou o debate sobre o final do mandato, tem invocado sistematicamente a Lei Nº 10/2013 de 25 de Setembro (Lei Eleitoral) sobre o recurso ao STJ e em relação período de realização das eleições na Guiné-Bissau entre 25 de Outubro a 23 de Novembro. Paulino Quadé defendeu que o artº 145 da Lei Eleitoral, no seu ponto único, determina que Efeitos do recurso, a interposição do recurso, suspende os efeitos da decisão de que se corre.
“A interpretação desse ponto refere-se apenas aos resultados eleitorais. Por exemplo se a CNE já o tivesse declarado de vencedor, o resultado suspende, não anula. O erro propositado que estão a fazer é pensar que não compreendemos que, o que foi suspenso pode ser retomado. Mais esclarecedor é que o Presidente da República já exercia todas as prorrogativas do Chefe de Estado. Não há outra explicação. O mandato presidencial foi iniciado a 27 de Fevereiro de 2020 e acaba nesse mesmo dia no ano 2025”, vincou Paulino Quadé.
A 31 de Janeiro, durante a cerimónia de inauguração de uma fábrica de produção de ovos em Bissau, o Presidente da República lançou um novo debate sobre data das eleições e citou os Estados Unidos como exemplo, onde o escrutínio decorre na primeira terça-feira no mês de Novembro e sublinhou que na Guiné-Bissau o calendário diz entre Outubro e Novembro. O académico ao comentar esta interpretação assegurou que nos EUA a tomada de posse do Presidente da República é tradicionalmente em Janeiro do ano seguinte às eleições, mas a escolha do sucessor acontece sempre no ano anterior.
“Honestamente acho que não havia qualquer necessidade de debater esta matéria, porque ela é clara. Aquilo que está na lei guineense é que as eleições tenham lugar no ano anterior ao fim do mandato. Neste caso, as eleições deveriam ter acontecido entre Outubro e Novembro de 2024”, concluiu.

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