Nos últimos tempos têm sido frequentes às informações sobre os recursos naturais da Guiné-Bissau com destaque para o petróleo. De um lado fala-se de licenças concedidas sem respeito dos critérios do outro, fala-se de Acordo de exploração assinado sem devidas informações às entidades competentes, neste caso o parlamento. Nos finais de Junho último, voltou-se a falar do petróleo e supostamente de um Acordo entre a PetroNor e as autoridades de Bissau. No país não há nenhum pronunciamento oficial sobre a matéria, pelo que a certeza e incertezas neste dossier andam de mãos dadas. Foi nesta perspectiva que o Jornal Última Hora contactou, o Dr.º e Engº. Gilberto Charifo Baldé, licenciado em Engenharia de Minas, pela Universidade de Coimbra e Mestre em Georrecursos e Doutorado em Engenharia Geologica pela Universidade Nova de Lisboa e ex-Director-Geral de Geologia e Minas no Ministério dos Recursos Naturais da Guiné-Bissau. Nessa entrevista, Gilberto Charifo fala de uma área que tem na transparência, segundo a sua convicção, o maior impulsionador. Segundo disse, antes de tomada de qualquer medida é preciso que haja transparência que possa garantir confiança entre as autoridades e a Sociedade Civil.
Como disse, é crucial que a Guiné-Bissau avance nessa direção. “A implementação do Padrão ITIE trará transparência e confiança, eliminando as controvérsias e promovendo o desenvolvimento sustentável”, frisou. Em relação ao futuro Governo, recomenda a actualização da legislação interna para que se adeque aos padrões da ITIE. Mas, adverte que urge agir em diferentes matérias para que os recursos naturais possam garantir no necessário desenvolvimento.
Pergunta (P) – Dr.º Eng.º Gilberto CHARIFO, está em debate de novo a questão do Petróleo nas águas territoriais da Guiné-Bissau. Como é que está a acompanhar este debate, quase desgastante?
Gilberto Charifo Baldé (GCB) – Tenho acompanhado o debate com crescente preocupação, porque estamos claramente face a uma falta de preparação de certos intervenientes. Infelizmente, é o cenário com o qual lidamos actualmente. Muitos acham que têm condições de opinar sobre determinadas matérias, independentemente da sensibilidade. É minha convicção que os assuntos devem ser atribuídos o valor que merecem e quando são sensíveis, só aqueles que perceberem devem opinar.
Contudo, mantenho uma chama de esperança acesa, acreditando que podemos reverter essa situação por meio da implementação de ferramentas de controle mundial, em especial, a ITIE (Iniciativa de Transparência da Indústria Extrativa).
O Padrão da ITIE possui um papel crucial na conscientização sobre o impacto da transição nas actividades e receitas do sector de minas e petróleo, além de oferecer suporte à produção responsável e transparente de minerais essenciais para um futuro sustentável de nosso país.
Ao adoptarmos a ITIE, teremos acesso a dados que podem auxiliar na identificação e no fechamento de canais de corrupção, não apenas nas indústrias de mineração e petróleo, mas também em outros sectores produtivos, como energia, floresta, pesca, entre outros.
Vejamos que em cada país que aderiu à ITIE, um grupo multidisciplinar formado por diversas partes interessadas, incluindo governo, empresas e sociedade civil, apoia a implementação do Padrão da ITIE. Lamentavelmente, em papel é assim, mas a realidade é manifestamente oposta. Os padrões da ITIE não são observados na Guiné-Bissau.
É chegada a hora de agirmos. A implementação da ITIE é a chave para promover a transparência, combater a corrupção e assegurar um futuro próspero e sustentável. Também acredito nessa fórmula, porque acredito que juntos, podemos fazer a diferença.
Pergunta – Em 2016, lançou-se a chamada Iniciativa Transparência de Indústria Extrativa (ITIE) na Guiné-Bissau, da qual está a falar há pouco. O que é que se pretendia e o que é que se fez de concreto?
GCB – Mudar muita coisa e imprimir a transparência na gestão dos recursos minerais. Mas para dizer que, em 2014 e 2015, o Ministério dos Recursos Naturais foi envolvido em intensas polémicas relacionadas com dossier de areias pesadas. Naquela época, tive a oportunidade de conversar com o então Ministro, e juntos começamos a traçar os primeiros passos rumo ao sucesso da implementação do Padrão ITIE. No entanto, o governo sofreu uma queda inesperada e tudo ficou interrompido.
Em 2016, o Ministério estava sem Ministro, mas o Primeiro Ministro assumiu a responsabilidade e discuti com ele a necessidade e a urgência de adotar o Padrão ITIE. Ele prontamente concordou e imediatamente iniciamos o processo de elaboração do despacho de nomeação. No entanto, o Primeiro-ministro na época lembrou-me dos grandes desafios que enfrentaríamos, pois os guineenses não gostam de prestar contas, nem de serem controlados. Ou seja, logo a partida, estava evidente um dos maiores obstáculos.
Claro que desejávamos implementar o Padrão ITIE, pois acreditávamos que seria uma ferramenta para mitigar ou reduzir toda a controvérsia em torno dos sectores produtivos do país, especialmente o sector de minas e petróleo. No entanto, precisávamos começar imediatamente nesses sectores e, posteriormente, nos demais sectores produtivos. Infelizmente, devido às quedas constantes de governos, tornou-se praticamente inviável implementar as ferramentas de controle necessárias. Acabei deixando o Ministério junto com a queda do governo.
No entanto, ao nos tornarmos membros da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE), a Guiné-Bissau se comprometeu a divulgar informações ao longo da cadeia de valor da indústria extrativa, desde a concessão de direitos, até como as receitas que passam pelo governo e como beneficiam o público. Isso traria estabilidade ao sector de minas, petróleo e outros sectores produtivos.
Se me perguntar o que acho sobre tudo isso, respondo que, apoio plenamente. É crucial que avancemos nessa direção. A implementação do Padrão ITIE trará transparência e confiança, eliminando as controvérsias e promovendo o desenvolvimento sustentável. Juntos, podemos superar os desafios e construir um futuro promissor para nossa nação.
Pergunta – Enquanto técnico, como podem ser tratadas indústrias extrativas da Guiné-Bissau e qual deve ser o papel do Governo e da sociedade civil?
GCB – Acredito firmemente que os recursos naturais de um país pertencem aos seus cidadãos. É responsabilidade do governo promover a compreensão da gestão desses recursos, fortalecer a governança, a responsabilidade pública e as empresas de fornecer dados para informar a formulação de políticas e o diálogo com as partes interessadas, especialmente nos sectores produtivos, como o sector de minas e petróleo.
No entanto, a falta de confiança entre o governo, as empresas e a sociedade civil é um obstáculo que precisa ser superado. A única maneira de resolver essa situação é envolver activamente a sociedade civil no processo. Só assim poderemos eliminar a desconfiança e a controvérsia que cercam esses sectores, que têm o potencial de contribuir positivamente para o crescimento do PIB do país. A solução mais eficaz é a implementação da ITIE, que trará transparência e responsabilidade para todas as partes envolvidas.
De um lado, temos o governo e as empresas, e do outro, a sociedade civil. Ambas as partes devem trabalhar com responsabilidade, respeitando seus termos de referência. Reafirmo que, só por meio dessa parceria e colaboração, poderemos avançar de forma sustentável e promover o desenvolvimento equilibrado de nosso país.
Por vezes, quem dirige não conhece a agenda ou o momento de actuação. Mas, baseando naquilo que temos assistido até aqui, não tenho dúvidas que a hora de agir é agora. Devemos unir forças, superar diferenças e construir uma base sólida para uma governança transparente e responsável dos recursos naturais. A implementação da ITIE é o caminho para alcançar isso, e é nossa responsabilidade garantir que as gerações futuras também possam se beneficiar desses recursos de forma justa e sustentável.
Pergunta – Antes de falarmos de blocos, falemos da legislação mineira nacional que para muitos tem constituído o motivo de problemas. Concorda que a legislação mineira precisa de actualização!
GCB – É evidente que nossa legislação precisa ser adaptada para se adequar ao novo cenário e estar alinhada com a nova ordem mundial. No entanto, apenas fazer ajustes, como muitos defendem, não será suficiente. Precisamos de uma nova legislação, com regulamentos rigorosos, que estejam de acordo com os padrões estabelecidos pela ITIE.
Enquanto não seguirmos os padrões da ITIE, continuaremos enfrentando polémicas e desconfianças no sector dos recursos naturais. A falta de transparência e responsabilidade tem alimentado a desconfiança da sociedade e minado o potencial de crescimento e desenvolvimento sustentável que a indústria de recursos naturais poderia trazer para o país.
A adopção dos padrões da ITIE é fundamental para estabelecer uma governança sólida e confiável no setor. Esses padrões promovem a transparência, a responsabilidade e a prestação de contas em todas as etapas da cadeia de valor, desde a concessão de direitos até a distribuição das receitas para beneficiar o público.
Precisamos trilhar o caminho da mudança, implementando regulamentos que estejam em conformidade com a ITIE. Somente assim poderemos superar as polémicas e desconfianças, construindo um setor de recursos naturais robusto, ético e sustentável.
Chegou a hora de agir com determinação. É necessário o comprometimento das autoridades, empresas e sociedade civil para trabalharmos juntos na construção de uma legislação que responda aos padrões da ITIE e promova a transparência e a confiança necessárias para um sector próspero e responsável.
Não podemos mais adiar. Devemos ser agentes de mudança, defendendo a adopção dos padrões da ITIE e exigindo uma legislação moderna e adequada. É hora de construir um futuro onde nossos recursos naturais sejam geridos com transparência, beneficiando verdadeiramente nossa sociedade e contribuindo para um desenvolvimento sustentável e equitativo.
Pergunta – Em todo este imbróglio para si, onde está a Agência de Cooperação e qual devia ser o seu posicionamento em situações dessa natureza?
GCB – É crucial destacar a importância da Agência de Gestão Comum (AGC) e reconhecer sua responsabilidade na gestão das áreas compartilhadas entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Essas áreas merecem uma atenção especial, pois representam um potencial significativo para ambos os países. No entanto, para garantir uma gestão eficaz e transparente dessas áreas, é fundamental que implementemos a Iniciativa de Transparência na Indústria Extrativa (ITIE). A ITIE proporcionará as directrizes necessárias para promover a transparência, a responsabilidade e a cooperação mútua entre os países envolvidos.
A implementação da ITIE permitirá que ambas as nações trabalhem em conjunto, compartilhando informações e dados relevantes, visando uma gestão sustentável e equitativa dessas áreas comuns. Além disso, garantirá que as receitas provenientes da exploração dos recursos naturais sejam devidamente registradas, auditadas e distribuídas de maneira transparente.
A colaboração entre a Guiné-Bissau e o Senegal por meio da AGC, aliada à implementação da ITIE, não apenas fortalecerá os laços entre os países, mas também contribuirá para o desenvolvimento socioeconómico e a promoção de um futuro sustentável.
Portanto, é imprescindível que ambos os países reconheçam a importância da ITIE e se comprometam a implementar suas diretrizes. Somente assim poderemos garantir uma gestão eficiente, responsável e transparente das áreas compartilhadas, impulsionando o progresso e o bem-estar de ambas as nações.
Repito: chegou o momento de agir em prol do interesse comum e AGC tem de ter um papel importante. A implementação da ITIE é um passo fundamental para promover a cooperação e o desenvolvimento sustentável entre a Guiné-Bissau e o Senegal.
Pergunta – Para si, o que deve o futuro Governo fazer face a Acordos de prospeção petrolífera na Guiné-Bissau. Quer sobre o Acordo denunciado em 2021 ou o agora denunciado com a PetroNOr?
GCB – Sabem o que fazer, até porque alguns deles conhecem o dossier sobre qual falei sobre no início. Mas, na minha modesta opinião, é crucial que o futuro governo esteja atento a essas questões e conte com especialistas Guineenses altamente qualificados e com provas praticas dada na área para intervir no sector. Não devemos permitir que prevaleça o nepotismo, mas sim garantir que sejam selecionados profissionais com base na necessidade real do país.
Uma das medidas essenciais é a implementação do padrão ITIE, que exigirá que a Guiné-Bissau divulgue informações detalhadas sobre como os direitos de concessão são atribuídos, como as receitas provenientes da exploração de recursos serão geridas pelo governo e como essas receitas beneficiarão o povo.
A transparência é fundamental para construir a confiança e combater a corrupção. E ela também deve chegar a AGC. Como são selecionados os nossos representantes? Como apresentam os seus relatórios? Quais os pareceres que dão em cada negociação para a concessão? Podia fazer mais perguntas se houvesse transparência em tudo isso. Porque, através da implementação do padrão ITIE, estaremos abrindo caminho para uma gestão responsável e transparente dos recursos naturais do nosso país.
Devemos assegurar que todas as partes interessadas tenham acesso a informações precisas e atualizadas sobre a concessão de direitos, a gestão das receitas e os benefícios resultantes da exploração dos recursos. Somente assim poderemos garantir que esses recursos sejam utilizados de forma justa e equitativa em benefício de todos os cidadãos.
É fundamental que o futuro governo priorize a implementação do padrão ITIE como parte de uma estratégia abrangente para promover a transparência, a responsabilidade e o desenvolvimento sustentável em nosso país.
Chegou o momento de romper com as práticas antigas e promover uma nova era de governança responsável e transparente. O futuro da Guiné-Bissau depende de medidas audaciosas e comprometidas com o interesse público.
Vamos trabalhar juntos por um futuro melhor, onde a gestão adequada dos recursos naturais seja uma realidade e contribua para o progresso e a prosperidade da nossa nação.
Sabino Santos