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“Estamos a trabalhar para ver como iniciar uma nova cooperação bilateral com a Guiné-Bissau”

O embaixador de França na Guiné-Bissau, Terence Wills concedeu uma entrevista ao Jornal Última Hora na qual fala da cooperação francesa, da Guiné-Bissau e da política francesa em África. Nessa entrevista, Wills fala de um país com futuro, mas que precisa de entendimento entre os actores políticos. O embaixador lembra que, nos anos 90, a França tinha uma presença bastante forte na Guiné-Bissau, mas depois da guerra essa dinâmica reduziu drasticamente. O relançamento da cooperação está em curso, mas avisa ser muito importante ter a estabilidade política. Prometeu que brevemente a Agência Francesa de Cooperação deverá visitar ao país para avaliar novos caminhos nesse sentido. “É todo um trabalho para iniciar uma nova cooperação bilateral”, destacou. Sobre o povo guineense, Terence Wills disse ter constatado muita coisa interessante. Convivência sã e potencialidades ainda por explorar. “A Guiné Bissau é um mosaico de comunidades que coexistem de uma maneira bastante pacífica. Isto é uma força”, comentou o embaixador. Quanto a presença francesa em África, disse que a política de cooperação quer traçar novos rumos, por isso, a Cimeira de Montepelier deu mais oportunidade a juventude. A luta contra o terrorismo e a criminalidade transnacional, foram, alguns dos temas destacados nessa entrevista.

 

Última Hora (UH) – Sr. Embaixador, depois do tempo que já leva no país, qual a avaliação que nos consegue fazer da Guiné-Bissau?

Terence Wills (TW) – Obrigado pela entrevista. Eu cheguei de carro em Bissau em Setembro 2020, vindo de Monrovia, o meu precedente posto enquanto embaixador. Em termos de experiência, Bissau é o meu oitavo posto diplomático em África. Posso dizer que tenho alguma experiência do continente. O primeiro sentimento na minha chegada foi que, o acolhimento em Bissau era bom. É ainda é. Gosto muito da diversidade dos país, da sua juventude, da riqueza histórica, do dinamismo de Bandim e de outros mercados no país. Também tenho gostado da convivência entre as comunidades. Apesar de tudo, a impressão do país mantém-se positiva.

 

UH – É do nosso conhecimento que o Sr. Embaixador tem feito viagens para as diferentes zonas do país. O que tem constatado em terras e no comportamento das populações?

TW – Surpresa pela positiva. Em qualquer parte do mundo, viajar no país é sempre uma experiência muito rica. A Guiné Bissau está a ser um livro aberto de história de zonas importantes como (Bolor, Bolama, Madina de Boé …). Está a ser como um manual de geografia para descobrir florestas, mangais, bolanhas e muitas outras paisagens. O arquipélago dos Bijagos é um lugar de turismo único em África. As populações são sempre acolhedoras. Falar com os régulos e homens grandes é entrar num mundo sofisticado não bem conhecido e descobrir a história de um país cheio de potencialidades. Estou a aprender a conhecer um país com futuro. O comportamento da população é exemplar, simplesmente.

 

UH – Sente que o país tem crises políticas, ou acha tratar-se do processo normal de evolução de uma sociedade em busca da democracia?

TW – Sinto que o país voltou a passarf por cenários que não ajudam. Com certeza o que se passou no 1 de Fevereiro foi uma tentativa de golpe de Estado. A maioria da comunidade internacional pensava que essas crises definitivamente pertencessem ao passado. Felizmente, a tentativa do golpe chumbou. Isso mostra a resiliência da democracia guineense. É triste ver que uma dezena de pessoas perderam a vida, por uma causa que estamos a aguardar as explicações, mas que deixa maus sinais para a democracia.

Historicamente a democracia é um processo. Os países europeus precisaram de mais de um milénio para estabelecer a democracia. Guiné Bissau é um país jovem de menos de cinquenta anos desde a sua independência. Como muitos países africanos a resolução das contradições internas foi de uma certa maneira estagnada pelas lógicas da colonização e da guerra fria. Eram lógicas externas. É surpreendente ver que os países africanos conseguiram resolver uma parte importante dessas contradições internas (territoriais, entre comunidades …), após a fim da guerra fria num, prazo historicamente curto. Portanto a meu ver, as crises são amadurecimento do processo democrático. Mas precisamos de encontrar consensos para a sua evolução mais acelerada.

 

UH – Tem alguma opinião sobre a evolução da democracia na Guiné-Bissau?

TW – como atrás disse, está num bom caminho. Democracia é um processo sempre em curso e que é levado não só pelo governo, mas também pela sociedade. É um processo participativo. O diálogo entre todos os atores políticos e da sociedade civil e também entre as gerações é importante para reforçar a estabilidade e seguir em frente. A Guiné Bissau é um mosaico de comunidades que coexistem de uma maneira bastante pacífica. Isto é uma força.

Olhando por todas essas valências, posso afirmar que ela está a evoluir na Guiné-Bissau. É possível que não seja na dimensão que pretendemos, mas está.

 

UH – Vamos falar da Cooperação francesa na Guiné-Bissau outrora bastante frutífera em diversas áreas: quaís são as grandes linhas de intervenção de França neste momento na Guiné-Bissau no do domínio de cooperação?

TW – Infelizmente temos uma altura antes do 7 de junho 1998 e uma depois. Antes havia uma cooperação diversificada no domínio financeiro, da agricultura, educação, cultura… Depois da guerra civil de 1998, alguns países saíram da Guiné Bissau (Estados Unidos, Sueca entre outros). França ficou, mas com uma equipa reduzida e quase sem projetos de cooperação. Estamos hoje a trabalhar para ver como iniciar uma nova cooperação bilateral. Queria privilegiar a formação de jovens agrónomos para transformar as matérias-primas da agricultura. Também preparar os jogos olímpicos de Paris 2024 com a juventude guineense e ver qual a disciplina desportiva que poderia dar a Guiné Bissau a sua primeira medalha olímpica. A curto prazo vamos criar uma escola francesa de nível internacional para atrair mais investidores francófonos e apoiar a integração regional. Esta escola vai ensinar em francês, português e inglês. Para outros pode não ser muita coisa, mas são passos importantes para o relançamento.

UH – Antes da guerra de 7 de Junho de 1998, a Cooperação Francesa na Guiné-Bissau tinha sinais evidentes nomeadamente projectos, acções da Unesco e a construção do Centro Cultural Franco-guineense. Hoje, estes sinais abrandaram. Tem explicação para isso?

TW – Foi o que estava a explicar. O primeiro momento, sem dúvidas foi bastante frutífero. Mas nem tudo está parado. Felizmente ainda temos o centro cultural franco-guineense que está a desempenhar um papel difícil nessa altura de Covid-19, com uma diretora muito eficaz, Isabelle Diris. Graças a sua dedicação, temos uma ligação forte com muitos artistas talentosos de Bissau. Estamos a trabalhar sobre uma nova peça de Abdulai Sila. O centro está a aumentar e diversificar seus alunos de francês. Não estamos parados. Sentimos que as pessoas esperam mais da França na Guiné-Bissau, mas não é assim tão fácil o processo de relançamento da cooperação.

 

UH – Sr. Embaixador, para ser mais concreto, nota-se que a situação de cooperação entre a Guiné-Bissau e França não evoluiu nos últimos tempos. Qual a razão?

TW – A situação do país não tem ajudado. É preciso que se diga. Mas penso que não podemos continuar nessas lamentações. Temos que convergir esforços para mudar. A título informativo, posso revelar aqui que, uma missão da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) está prevista daqui a pouco tempo em Bissau. Inicialmente devia ter lugar esta semana, mas foi adiada devido a tentativa do golpe do 1 de fevereiro. Mas ela vai acontecer, estamos a procura de uma nova data e em melhores condições. É o primeiro passo para identificar novos projetos bilaterais. Não será fácil atingirmos rapidamente os níveis que estão aqui a recordar, mas estamos a trabalhar nesse sentido. Da minha parte há essa determinação e espero não só a colaboração das autoridades, mas também que se crie um clima favorável.

 

UH – No passado estudantes guineenses beneficiaram de bolsas em França, e alguns dirigentes estudaram naquele país. Porquê é que não se retomou a cooperação no domínio da educação?

TW – Estou triste da situação atual. Da minha parte gostaria que isso continuasse, mas não foi possível por razões diversas que não valem a pena estar aqui a explicar. É sempre interessante de encontrar antigos estudantes guineenses que estudaram em França, para trocar ideias e ver como reforçar os laços entre nossas culturas. A troca de estudantes é o melhor meio de dar substância à nossa relação bilateral a longo prazo. Vamos trabalhar sobre isso. A França apoiará sempre naquilo que é necessário e que está ao seu alcance.

 

UH – Recentemente o Presidente da República da Guiné-Bissau foi recebido pelo presidente francês. Falou-se tanto do crime transnacional organizado. O que queríamos perguntar, o que e que essa visita vai mudar, ou como é que a Guiné-Bissau pode explorar os resultados da mesma?

TW – Foi a primeira visita ao nível dos presidentes desde muito tempo. É um sinal político forte. Agora devemos traduzir isto em atos concretos. Há muito por fazer. Hoje a Embaixada de França está a trabalhar com três funcionários franceses, enquanto havia mais de trinta nos anos 1990. Felizmente, temos um bom chefe cozinheiro para enganar a comunidade diplomática de Bissau sobre a realidade de nossos efetivos. Para responder a sua pergunta, a vontade política de reestabelecer uma cooperação bilateral sólida existe sem dúvida em Paris e em Bissau. Sobre a luta contra o crime transnacional, o Presidente Sissoco Embaló e o Presidente Macron disseram que era um combate difícil e que a comunidade internacional devia ajudar as autoridades guineenses nos seus esforços. É este o caminho. Todos devem trabalhar para a concretização dos problemas equacionados. Não há outro caminho. Como explorar os resultados? Tem-se de apresentar acções concretas.

 

UH – Falemos da política de cooperação de França em África. Nos últimos tempos, a França tem adoptado uma política de cooperação mais interventiva com os países africanos. Enquanto país colonizador, é uma obrigação ou é nova estratégia?

TW – é tudo. Eu me lembro de uma altura, no início dos anos 2000, que a política francesa foi de diminuir fortemente a nossa presença militar em África e de colocar o Ministério da Cooperação dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros para mostrar que as relações com África não deviam ser diferentes das relações com países de outros continentes. O que aconteceu depois? O mundo mudou depois do 11 setembro de 2001. Entidades terroristas ganharam territórios em África (Boko Haram, Shebab …). No norte do Mali houve em janeiro 2013 um ataque deste tipo contra o governo maliano e em direção da capital Bamako. O governo maliano nessa altura pediu uma intervenção militar francesa. Conseguimos parar este ataque terrorista. Mas Sahel é uma região muito grande e com muitos desafios de desenvolvimento. Precisa de uma ação forte da comunidade internacional para combater o terrorismo e para melhorar as condições de vida das populações. Isso é o objetivo da aliança Sahel G5. No domínio militar, o início de uma cooperação entre os exércitos dos países da região é um passo muito importante. Então, a nossa política faz parte duma resposta internacional para combater o terrorismo através de um pilar de desenvolvimento e de um pilar militar. Infelizmente, os acontecimentos políticos recentes na África de Oeste dão uma imagem embrulhada desses esforços coletivos. Com certeza vamos nos adaptar, mas sem deixar a luta contra o terrorismo. E quem faz tudo isso num país colonizado no passado, está a cumprir com a sua obrigação, mas ao mesmo tempo a traçar novos rumos.

 

UH – Quando é que se vai começar a sentir o impacto da recente Cimeira França/África?

TW – Já é sentida em alguns países que nela tomaram parte. A cimeira de Montpellier foi uma cimeira para convidar jovens de África a dar sua opinião e refletir sobre a relação entre África e França. É preciso renovar as relações. Isto dever ser feito não só a nível dos chefes de Estado, mas também a nível da sociedade civil. Foi um diálogo dinâmico que era útil para sair dos paradigmas antigos. Temos agora, na Europa e na África, novas gerações que querem conversar, enquanto cidadãos do mundo, com a consciência do passado, mas também com o desejo de inventar juntos o seu futuro. Eles querem viajar e trocar experiências. Devemos os ajudar. Os que querem construir muros a volta dos territórios nacionais, esses não vão no sentido da História. O objetivo é de mudar as mentalidades. Foi em resumo a ideia que passou na Cimeira e já está a ser explorada por algumas nações.

 

UH – Quando ou quais os critérios para se poder retomar a cooperação nas diferentes áreas na Guiné-Bissau?

TW – Estabilidade. O primeiro fator com certeza é a estabilidade, para atrair investidores e projetos de cooperação, sejam franceses ou de outros países. O Presidente Sissoco Embaló e o governo fazem muitos esforços para atrair novos parceiros. Estamos a acompanhar e esperamos que dê resultados que todos almejam.

 

UH – Sr. Embaixador, hoje a situação de França no Mali está cada vez mais controversa, com expulsão do embaixador francês naquele país. Aceita que a política de França em África ou nos países colonizados precisa de uma nova paradigma?

TW – Sobre Mali, França e os parceiros internacionais vão fazer brevemente uma declaração coletiva sobre o empenho militar deles contra o terrorismo nesse país. o problema é de tal forma complexo que, certas decisões são apenas alguns passos.

 

UH – Para si, qual a havia que deve orientar a política internacional nos países africanos?

TW – Devemos sempre melhorar e talvez adaptar mais os nossos projetos as realidades locais. A política do “one size fits all” (um tamanho para todos) não dá. Os nossos projetos devem dar resultados a curto prazo. Talvez devemos reduzir o tempo para fazer estudos de viabilidade de um projeto e trabalhar mais com o setor privado. Eu queria ver como poderíamos assim ajudar a diversificar a economia, particularmente agricultura e recrear uma indústria de transformação. Guiné Bissau precisa disso para criar valor com as suas matérias-primas e dar emprego a sua juventude. Eu queria beber um dia uma cerveja Cicer feita em Bissau. As estratégias de cooperação devem ser sempre adaptadas a realidade local.

 

UH – Sr. Voltamos a situação política na Guiné-Bissau. A seu ver, o que pode ser feito para que haja o entendimento entre os atores políticos

TW – Sou observador, mas como sabem sem direito de comentar a política interna. Há tantas possibilidades de desenvolvimento na Guiné Bissau e tantas coisas a fazer que deveria ser possível de ter mais diálogo entre todos os actores, políticos e outros.

UH – Tem alguma novidade para a Guiné-Bissau?

TW – Eu tenho a certeza que a Guiné Bissau vai ser uma “success story” a médio prazo. Agora penso que com o desempenho de todos os atores nacionais e da comunidade internacional, podemos imaginar um caminho mais curto para atingir este resultado.

 

Athizar Mendes Pereira/Sabino Santos

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